El Roto/El Pais

Todo brasileiro em dia com suas obrigações fiscais deveria ter o direito de acompanhar o que é feito com o fruto do seu suor. Tomo por mim. Sempre que pago imposto, sou assaltado por dois sentimentos devastadores. O primeiro é a saudade. O outro é a incerteza. Dói-me não poder zelar pelo futuro do meu dinheirinho.

Fico a imaginar o que vai acontecer com o meu dinheiro depois de trancafiado nos cofres do Tesouro Nacional. Enquanto o deixam lá dentro, quietinho, tudo bem. Há, evidentemente, o risco de constrangimentos.

Imagino, por exemplo, um encontro fortuito do meu dinheiro, mirrado, com o dinheiro do Olavo Setúbal ou do Antonio Ermírio de Morais, mais taludos. A eventual humilhação, contudo, é a menor de minhas preocupações. O que me angustia é a falta de critério na saída. Ali, na boca do caixa do governo, meu dinheiro tanto pode ir para a merenda escolar como para as Ilhas Cayman.

Angustia-me a sensação de que meu dinheiro, salubérrimo, possa estar, nesse exato momento, passeando numa ambulância superfaturada dos Vedoin. Aflige-me a impressão de que, podendo estar seguro no meu bolso, o coitado talvez tenha sido enterrado sob o mármore de um desses aeroportos da Infraero.

Soubesse do risco, teria eu próprio levado meu dinheiro para passear num aeroporto. Não iria para Congonhas, obviamente. Juntos, tomaríamos uma aeronave para a Europa, seguindo as pegadas da queda do dólar.

Nos últimos dias, minhas preocupações com o meu dinheiro aumentaram. Tem sido difícil conviver com a idéia de que o pobrezinho pode ter ido parar no bolso ou numa conta bancária de um sujeito que atende pelo nome de Zuleido, dono de uma construtora chamada Gautama.

Um frio correu-me a espinha. Imaginei para o meu dinheiro uma vida mais produtiva. Francamente, não esperava que um dia viesse a acudir empreiteiros recolhidos à carceragem da Polícia Federal sob a suspeita de fraudar obras públicas.

Sei que não é usual. Mas gostaria que o Guido Mantega me permitisse visitar o meu dinheiro. Ou o que restou dele. Seria coisa rápida, ministro. Juro que não o quero de volta. Não tentarei resgatá-lo. Desejo apenas identificá-lo e, na medida do possível, consolá-lo.

Sei que dinheiro público não tem carimbo. Mas o meu é fácil de identificar. É um dinheiro de fisionomia banal. Admito que, na pressa, eu poderia confundi-lo com outro dinheiro de cara honesta, suado, recolhido de um desses brasileiros usualmente espoliados pelo governo. Ainda assim, reivindico o direito de tentar.

Se conseguisse identificar o meu dinheiro, faria nele uma marca. Depois, escreveria às autoridades: "Esse aqui, senhores, prefiro que usem para custear o ensino básico, para acudir algum desgraçado esquecido numa maca do SUS... Nada de entregá-lo a um Zuleido qualquer. Meu dinheiro é pouco, bem sei. Mas ele é meu. Merece respeito”.