29 de agosto de 2010

Falam em Leis para rever a Lei de Anistia. Sabemos que muitos recebem grandes indenizações que pagamos sem saber se os critérios foram corretos.

A verdade sobre o terrorismo no Brasil
06 de dezembro de 2006
Por Carlos I.S. Azambuja em 07 de julho de 2005

Resumo: Uma série de fatos que servem para relembrar a verdade sobre o terrorismo no Brasil.
© 2005 MidiaSemMascara.org


VOCÊ SABIA?


- Que no governo João Goulart algumas organizações de esquerda condenavam a luta pela reforma agrária, porque seu triunfo daria origem a um campesinato conservador e anti-socialista? Isso está escrito na página 40 do livro “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender, que foi dirigente do PCB e um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, em 1967.
- Que no governo João Goulart já existiam campos de treinamento de guerrilha no Brasil? Em 4 de dezembro de 1962, o jornal ”O Estado de São Paulo” noticiou a prisão de diversos membros das famosas Ligas Camponesas, fundadas por Francisco Julião, num campo de treinamento de guerrilhas, em Dianópolis, Goiás.

- Que afora o PCB, por seu apego ao ortodoxo “caminho pacífico” para a tomada do poder, foram os trotskistas o único segmento da esquerda brasileira que não pegou em armas nos anos 60 e 70?

- Que o primeiro grupo de 10 membros do Partido Comunista do Brasil - então partidário da chamada linha chinesa de “guerra popular prolongada” para a tomada do poder - viajou para a China ainda no governo João Goulart, em 29 de março de 1964, a fim de receber treinamento na Academia Militar de Pequim? E que até 1966 mais duas turmas foram a Pequim com o mesmo objetivo? (livro “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender).

- Que no regresso da China, esses militantes, e outros, foram mandados, a partir de 1966, para a selva amazônica a fim de criar o embrião da “guerra popular prolongada” que resultou naquilo que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia, somente descoberto pelas Forças Armadas em abril de 1972, graças à prisão de um casal, no Ceará, que havia abandonado a área, desertando?

- Que mais da metade dos cerca de 60 jovens que morreram no Araguaia, para onde foram mandados pela direção do PC do B, eram estudantes universitários, secundaristas ou recém-formados, segundo as profissões descritas na Lei que, em 1995, constituiu a Comissão de Desaparecidos Políticos?

- Que a expressão “socialismo democrático” - hoje largamente utilizada por alguns partidos e candidatos - induz a um duplo erro: o de apontar no rumo de um hipotético socialismo que prescindirá do Estado da Ditadura do Proletariado, acontecimento nunca visto no mundo, e o de introduzir a idéia de que o Estado mais democrático que o mundo já conheceu, o Estado Proletário não é democrático? (livro “História da Ação Popular”, página 63, de autoria dos atuais dirigentes do Partido Comunista do Brasil, Aldo Arantes e Haroldo Rodrigues Lima).

- Que no início de 1964, antes da Revolução de Março, Herbert José de Souza, o “Betinho” já pertencia à Coordenação Nacional da Ação Popular? (livro “No Fio da Navalha”, do próprio “Betinho”, páginas 41 e 42).

- Que em 31 de março de 1964, quando da Revolução, “Betinho” era o coordenador da assessoria do Ministro da Educação, Paulo de Tarso, em Brasília? (livro “No Fio da Navalha”, páginas 46 e 47).

- Que pouco tempo antes da Revolução de Março de 1964, o coordenador nacional do “Grupo dos Onze”, constituídos por Leonel Brizola, era “Betinho”, designado pelo próprio Brizola? (livro “No Fio da Navalha”, páginas 49 a 51).

- Que em março de 1964 o esquema armado de João Goulart “era uma piada”; e que “o comandante Aragão, comandante dos Fuzileiros Navais, era um alucinado e eu nunca vi figura como aquela”? (livro “No Fio da Navalha”, página 51).

- Que já em 1935 Luiz Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, era um assalariado do Komintern (3ª Internacional)? Isso está escrito e comprovado no livro “Camaradas”, do jornalista William Waak, que teve acesso aos arquivos da 3ª Internacional, em Moscou, após o desmanche do comunismo.

- Que Luiz Carlos Prestes foi Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro por 37 anos, ou seja, até maio de 1980, uma vez que foi eleito em setembro de 1943, quando ainda cumpria pena por sua atuação na Intentona Comunista? (livro “Giocondo Dias, uma Vida na Clandestinidade”, de Ivan Alves Filho, cujo pai, Ivan Alves, pertenceu ao partido).

- Que 4 ex-militares dirigiram o PCB desde antes de 1943 até 1992: Miranda, Prestes, Giocondo Dias e Salomão Malina? Ou seja, dirigiram - ou melhor, comandaram - o PCB por cerca de 50 anos?

- Que após o desmantelamento do socialismo real, que começou pela queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989, foi considerado que “o marxismo-leninismo deixou de ser uma ferramenta de transformação da História para tornar-se uma espécie de religião secularizada, defendida em sua ortodoxia pelos sacerdotes das escolas do partido”? (livro “Nos Bastidores do Socialismo”, de autoria de Frei Betto).

- Uma frase altamente edificante: “Quero deixar claro que admito a pena de morte em uma única exceção: no decorrer da guerra de guerrilhas”. Seu autor? Frei Betto, em seu livro “Nos Bastidores do Socialismo”, página 404.

- Que em fins de agosto de 1995 - 16 anos após a anistia - o governo enviou ao Congresso Nacional um projeto, logo transformado em lei, dispondo sobre “o reconhecimento das pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”?

- Que esse projeto definiu que deveria ser criada uma Comissão Especial, composta por 7 membros, com a atribuição de proceder ao reconhecimento de pessoas que tenham falecido de causas não naturais “em dependências policiais ou assemelhadas”?

- Que da relação de pessoas desaparecidas que acompanhou o projeto constavam os nomes de 136 militantes da esquerda considerados desaparecidos políticos que, por opção própria, pegaram em armas para instalar em nosso país uma República Democrática Popular semelhante àquelas que o povo, nas ruas do Leste Europeu, derrubou, nos anos de 1989 e 1990?

- Que entre esses nomes, estavam os de 59 guerrilheiros desaparecidos no Araguaia, quando tentavam implantar o embrião do modelo chinês de “guerra popular prolongada”?

- Que as famílias de todos esses guerrilheiros do Araguaia já foram indenizados com quantias que variam de 100 mil a 150 mil reais?

- Que, por conseguinte, à vista do que está escrito na lei, para que essa indenização fosse concedida, a área de selva de cerca de 7 mil quilômetros quadrados em que a guerrilha se instalou, foi considerada uma “dependência policial ou assemelhada”?

- Que duas senhoras, integrantes da Comissão que representam as famílias dos desaparecidos, Iara Xavier Pereira e Suzana Kiniger (ou Suzana Lisboa) foram militantes da ALN e receberam treinamento militar em Cuba?

- Que Iara Xavier Pereira participou de diversas “ações” armadas, conforme ela própria revela, na página 297, do livro “Mulheres que Foram à Luta Armada”, de autoria de Luiz Maklouf?

- Que essas senhoras ou suas famílias foram indenizadas pela morte de 4 pessoas? Iuri Xavier Pereira, Alex de Paula Xavier Pereira e Arnaldo Cardoso Rocha (todos membros do Grupo Tático Armado da ALN, com treinamento militar em Cuba, mortos nas ruas de São Paulo em tiroteio com a polícia), irmãos e marido de Iara Xavier Pereira, que também recebeu treinamento militar em Cuba, e Luiz Eurico Tejera Lisboa (treinado em Cuba), marido de Suzana Lisboa, que com ele também recebeu treinamento na paradisíaca “ilha da liberdade”? Que, no total, 600.000 mil reais, foi quanto os contribuintes pagaram a essas duas senhoras?

- Que a mídia, a famosa mídia que faz a cabeça das pessoas, jovens e adultos, nunca registrou esse “pequeno trecho” altamente edificante da História recente de nosso país?

Mas, há mais, muito mais! VOCÊ SABIA que o guerrilheiro do Araguaia, Rosalino Cruz Souza, conhecido na guerrilha como “Mundico”, incluído na relação de “desaparecidos políticos”, sabidamente “justiçado”, no Araguaia, pela também guerrilheira “Dina” (Dinalva Conceição Teixeira) - cujos familiares foram também indenizados - teve sua família indenizada? Não pelo Partido que o mandou para lá e o matou, mas por nós, contribuintes?

VOCÊ SABIA que a família do coronel aviador Alfeu Alcântara Monteiro, morto em 2 de abril de 1964 - cuja esposa, desde sua morte, recebe pensão militar - foi também aquinhoada com os tais 150 mil reais, com o voto favorável do general que, na Comissão, representava as Forças Armadas? Que, depois, esse mesmo general, em entrevista ao jornal “Folha de São Paulo”, buscando justificar seu voto, disse que no processo organizado pela Comissão constava que o coronel havia sido morto com “19 tiros pelas costas”? E, diz o general: “depois vim a saber que ele foi morto com um único tiro”.

Caso o ilustre general, que também é advogado, antes de dar seu voto, tivesse consultado o Inquérito Policial Militar instaurado na época, para apurar o fato, arquivado no STM como todos os demais inquéritos, teria constatado a versão real: dia 2 de abril de 1964, o brigadeiro Nelson Freire Lavanère Wanderley deveria receber o comando da então Quinta Zona Aérea, em Porto Alegre, do mais antigo oficial presente que era o coronel Alfeu Alcântara Monteiro, reconhecidamente janguista. O coronel recusou-se a transmitir o comando e reagiu, atirando e ferindo o brigadeiro Wanderley, sendo morto com um tiro de pistola 45 pelo também coronel-aviador Roberto Hipólito da Costa, que acompanhava o brigadeiro. Ou seja, o coronel Hipólito matou em legítima defesa de outrém, conforme concluiu o Inquérito, sendo absolvido pela Justiça Militar.

- Que Carlos Marighela, morto nas ruas de São Paulo, delatado voluntária ou involuntariamente por seus companheiros do Convento dos Dominicanos, e Carlos Lamarca, morto no sertão da Bahia, tiveram seus familiares indenizados, embora a esposa de Carlos Lamarca já recebesse pensão militar? Ou seja, as ruas de São Paulo e o sertão baiano foram considerados, também, pela Comissão, “dependências policiais ou assemelhadas”.

Mas não terminou; eles querem mais, muito mais. VOCÊ SABIA que membros da Comissão pensaram reivindicar a promoção de Lamarca a general?

VOCÊ SABIA que o atual Ministro da Justiça também propôs a promoção de Apolônio de Carvalho (um ex-militar expulso do Exército em 1935 e posteriormente fundador e militante do PCBR e, posteriormente banido do país em troca de um embaixador seqüestrado) a general?

- Que amplos setores da mídia e toda a esquerda vêm difundindo por todos esses anos a versão de que “a resistência armada” à “ditadura” no Brasil dos anos 60, foi uma resposta ao Ato Institucional nº 5, que “fechou” o regime?

- Que isso não é verdade, pois o Ato Institucional nº 5, que teria “fechado” o regime, foi assinado em 13 de dezembro de 1968?

- Que, antes disso, a esquerda armada já havia atirado uma bomba no Aeroporto dos Guararapes, em 25 de julho de 1966, matando um jornalista e um Almirante e ferindo um General?

- Que já havia atirado um carro-bomba contra o Quartel-General do II Exército, em São Paulo, matando o soldado sentinela Mario Kosel Filho, em 26 de junho de 1968?

- Que já havia assassinado, ao sair de casa, na frente de seus filhos, o Capitão do Exército dos EUA Charles Rodney Chandler, tachado nos panfletos deixados sobre seu corpo, de “agente da CIA” ?

- Que um dos assassinos - um sargento expulso da Polícia Militar de São Paulo pela Revolução de 1964 - várias vezes entrevistado vive hoje, tranqüilamente, em São José dos Campos, após ter sido anistiado pela ditadura militar “fascista”, indenizado e reintegrado à PM, como reformado?

- Que em 1968, antes, também, do Ato Institucional nº 5, o Major do Exército da Alemanha Edward Von Westernhagen, que cursava a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, na Praia Vermelha, Rio de Janeiro, foi morto na rua por um grupo do Comando de Libertação Nacional (COLINA), constituído por dois ex-sargentos, um da Aeronáutica e outro da Polícia Militar do Rio de Janeiro, sendo o crime, na época, atribuído a marginais?

- Que ele foi morto por ter sido confundido com o capitão do Exército boliviano Gary Prado, que participou da caçada a Che Guevara, no ano anterior, em seu país, e que, por isso, deveria ser “justiçado”, que também cursava a Escola de Comando e Estado-Maior? (livros “A Esquerda Armada no Brasil”, e “Memórias do Esquecimento”, de Flávio Tavares).

- Que antes do Ato Institucional nº 5, guerrilheiros do PC do B chegados da China em 1966 já se encontravam no Brasil Central preparando a Guerrilha do Araguaia?

- Que era essa a tática utilizada pela esquerda armada para instalar no Brasil um pleonasmo (uma República Popular Democrática): matar, matar e matar?

- Que a alucinada esquerda armada não matava apenas seus “inimigos”, mas também os amigos e companheiros?

Veja a relação dos companheiros assassinados, a título de “justiçamento”, sob a alegação de que sabiam demais, demonstravam desejo de pensar com suas próprias cabeças e que, por isso, representavam um perigo em potencial. Não que tenham traído, mas porque poderiam (futuro do pretérito) trair:

- Márcio Leite Toledo (ALN) em 23 de março de 1971;
- Carlos Alberto Maciel Cardoso (ALN) em 13 de novembro de 1971;
- Francisco Jacques Alvarenga (RAN-Resistência Armada Nacionalista) em 28 de junho de 1973;
- Salatiel Teixeira Rolins (PCBR) em 22 de julho de 1973;
- Rosalino Cruz - “Mundico”, na Guerrilha do Araguaia;
- Amaro Luiz de Carvalho – “Capivara” (PCR), em 22 de agosto de 1971, dentro de uma Penitenciária, em Pernambuco;
- Antonio Lourenço (Ação Popular), em fevereiro de 1971, em Pindaré-Mirim/MA;
- Geraldo Ferreira Damasceno (Dissidência da Var-Palmares) em 19 de maio de 1970, no Rio de Janeiro;
- Ari da Rocha Miranda (ALN), em 11 de junho de 1970, em São Paulo.

- Que o militante da Resistência Armada Nacionalista, Francisco Jacques Alvarenga, “justiçado” dentro do Colégio em que era professor, no Rio de Janeiro, por um Comando da ALN, teve seus passos previamente levantados por Maria do Amparo Almeida Araújo, também militante da ALN?
- Que foi ela própria quem revelou esse detalhe no livro “Mulheres que Foram à Luta Armada”, de Luiz Maklouf ?

- Que Maria do Amparo Almeida Araújo é atualmente a presidente do “Grupo Tortura Nunca Mais” de Pernambuco, entidade criada para denunciar as torturas e assassinatos da chamada “repressão”?

- Finalmente, leiam este trecho, altamente significativo, considerando a identidade de seu autor: “No curso de Estado-Maior, em Cuba, esmiuço a história da revolução cubana e constato evidentes contradições entre o real e a versão divulgada pela América Latina afora (...) Muitas ilusões foram estimuladas em nossa juventude pelo mito do punhado de barbudos que, graças ao domínio das táticas guerrilheiras e à vontade inquebrantável de seus líderes, tomou o poder numa ilha localizada a 90 milhas de distância de Miami. Balelas, falsificações (...) O poder socialista instituiu a censura, impediu a livre circulação de idéias e impôs a versão oficial. Os textos encontrados sobre a revolução cubana são meros panfletos de propaganda ou relatos factuais, carentes de honestidade e aprofundamento teórico (...) O Partido Comunista é o único permitido, e em seus postos importantes reinam os combatentes de Sierra Maestra ou gente de sua confiança, em detrimento dos quadros oriundos do movimento operário (...) Os contatos com as organizações de luta armada (de toda a América Latina) são feitos através do S2 (Inteligência), conseqüência das deturpações do regime. A revolução na América Latina não seria uma questão política e sim, usando as palavras do caricato Totem, “de mandar bala”. Nos relacionamos com os agentes secretos, que tentam influenciar na escolha de nossos comandantes, fortalecem uns companheiros em detrimento de outros, isolam alguns para criar uma situação de dependência psicológica que facilite a aproximação, influência e recrutamento; alimentam melhor os que aderem à sua linha e fornecem informações da nossa Organização, concedem status que vão desde a localização e qualidade da moradia à presença em palanques nos atos oficiais; não respeitam nossas questões políticas e desconsideram nosso direito à auto-determinação”.

Totem, acima mencionado, é o general Arnaldo Ochoa, comandante do Exército em Havana, no início dos anos 70, fuzilado nos anos 80, sob a acusação de ser narcotraficante.

O que acima foi transcrito está nas páginas 178 a 181 do livro “Nas Trilhas da ALN”, de autoria de Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (“Clemente”), o último dos “comandantes” da Ação Libertadora Nacional que recebeu treinamento militar em Cuba. “Clemente” foi autor de vários assaltos a bancos, estabelecimentos comerciais, assassinatos e “justiçamentos” - ou planejamento deles - como o do seu próprio companheiro Márcio Leite Toledo e do presidente da Ultragaz em São Paulo, Henning Albert Boilesen, em 15 de abril de 1971.

Ao concluir o curso em Cuba, nos idos de 1973, “Clemente” foi viver em Paris, somente regressando ao Brasil após ter sido um dos anistiados pelo presidente Figueiredo, derrubando outro mito até hoje difundido pelas esquerdas de todos os matizes: o de que a Anistia não foi Ampla, Geral e Irrestrita Hoje, vive no Rio de Janeiro. Dá aulas de violão para crianças e participa de eventos culturais organizados pelo Movimento dos Sem-Terra.

(*)Carlos I. S. Azambuja é historiador.

A história, por um dos lados...

"A Pátria não é ninguém, são todos. Não é uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo. É o céu, o solo, o povo, as tradiçõees, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da Lei e da Liberdade." - Rui Barbosa (o apóstolo de todas as liberdades)

A verdade sobre o 31 de março de 1964

28 de setembro de 2006
por Carlos Alberto Brilhante Ustra em 24 de março de 2004

Resumo: A deposição de João Goulart e a luta contra o terror comunista no Brasil envolveram realidades muito diferentes das que hoje são difundidas pela propaganda esquerdista na mídia e salas de aula.
© 2004 MidiaSemMascara.org


"No dia 31 de março próximo faz quarenta anos que foi deposto o Presidente da República, João Goulart. Uns chamam esse acontecimento de golpe militar, outros de tomada do poder, alguns outros de Revolução de 1964. Eu prefiro considerá-lo como a Contra-Revolução de 31 de março de 1964.
Vou lhes explicar o meu ponto de vista ao longo deste artigo. Espero que ao final vocês tenham dados suficientes para julgar se estou certo.
Vocês foram cansativamente informados por seus professores, jornais, rádios, TV e partidos políticos de que:
- os militares tomaram o poder dos civis para impedir que reformas moralizantes fossem feitas;
- para combater os "generais que usurparam o poder" os jovens da época uniram-se e lutaram contra a ditadura militar e que muitos deles morreram, foram mutilados, presos e torturados na luta pela "redemocratização" do país;
- os militares assim agiram a mando dos Estados Unidos, que temiam o comunismo instalado no Brasil;
- jovens estudantes, idealistas, embrenharam-se nas matas do Araguaia para lutar contra a ditadura e pela redemocratização do país.

Com quantas inverdades fizeram a cabeça de vocês! E por que essas mentiras são repetidas até hoje? Foi a maneira que eles encontraram para tentar justificar a sua luta para implantar um regime do modelo soviético, cubano ou chinês no Brasil.
Por intermédio da mentira, eles deturparam a História e conseguiram o seu intento. Vocês, que não viveram essa época, acreditam piamente no que eles dizem e se revoltam contra os militares.
Vamos aos fatos, pois eu vivi e participei dessa época.

Em março de 1964 eu era capitão e comandava uma bateria de canhões anti-aéreos do 1º Grupo de Artilharia Anti-Aérea, em Deodoro, no Rio de Janeiro. A maioria dos oficiais que serviam no 1º Grupo de Artilharia AAe, entre eles eu, teve uma atitude firme para que o Grupo aderisse à Contra-Revolução.
Eu era um jovem com 31 anos. O país vivia no caos. Greves políticas paralisavam tudo: transportes, escolas, bancos, colégios. Filas eram feitas para as compras de alimentos. A indisciplina nas Forças Armadas era incentivada pelo governo. Revolta dos marinheiros no Rio; revolta dos sargentos em Brasília. Na minha bateria de artilharia havia um sargento que se ausentava do quartel para fazer propaganda do Partido Comunista, numa kombi, na Central do Brasil.
Isso tudo ocorria porque o governo João Goulart queria implantar as suas “reformas de base” à revelia do Congresso Nacional. Pensava, por meio de um ato de força, fechar o Congresso Nacional com o apoio dos militares "legalistas".
Vocês devem estar imaginando que estou exagerando para lhes mostrar que a Contra-Revolução era imperativa naqueles dias. Para não me alongar, vou citar o que dizem dois conhecidos comunistas:
Depoimento de Pedro Lobo de Oliveira no livro A Esquerda Armada no Brasil: "Muito antes de 1964 já participava na luta revolucionária no Brasil na medida de minhas forças. Creio que desde 1957. Ou melhor, desde 1955... Naquela altura o povo começava a contar com a orientação do Partido Comunista.”
Jacob Gorender, do PCBR, escreveu no seu livro Combate nas Trevas: "Nos primeiros meses de 1964, esboçou-se uma situação pré-revolucionária e o golpe direitista se definiu, por isso mesmo, pelo caráter contra-revolucionário preventivo. A classe dominante e o imperialismo tinham sobradas razões para agir antes que o caldo entornasse.”

Diariamente eu lia os jornais da época: O Dia, O Globo, Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, Diário de Notícias, etc... Todos eram unânimes em condenar o governo João Goulart e pediam a sua saída, em nome da manutenção da democracia. Apelavam para o bom senso dos militares e até imploravam a sua intervenção, para que o Brasil não se tornasse mais uma nação comunista.
Eu assistia a tudo aquilo com apreensão. Seria correto agirmos para a queda do governo? Comprei uma Constituição do Brasil e a lia seguidamente. A minha conclusão foi de que os militares estavam certos ao se antecipar ao golpe de Jango. Às Forças Armadas cabe zelar para a manutenção da lei, da ordem, e evitar o caos. Não tinhamos que defender o governo; tinhamos que defender a nação. O povo foi às ruas com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, no Rio, São Paulo e outras cidades do país. Todos pedindo o fim do governo João Goulart, antes que fosse tarde demais.
E, assim, aconteceu em 31 de março de 1964 a nossa Contra-Revolução.
Os jornais da época (O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil; Tribuna da Imprensa e outros ) publicaram, no dia 31e nos dias seguintes, editoriais e mais editoriais exaltando a atitude dos militares. Os mesmos jornais que hoje combatem a nossa Contra- Revolução.
Os comunistas que pleiteavam a tomada do poder não desanimaram e passaram a insuflar os jovens, para que entrassem numa luta fraticida, pensando que lutavam contra a ditadura. E mentiram tão bem que muitos acreditam nisso até hoje. Na verdade, tudo já estava se organizando. Em 1961, em pleno governo Jânio Quadros, Jover Telles, Francisco Julião e Clodomir dos Santos Morais estavam em Cuba acertando cursos de guerrilha e o envio de armas para o Brasil. Logo depois, alguns jovens eram indicados para cursos na China e em Cuba. Bem antes de 1964 a área do Araguaia já estava escolhida pelo PC do B para implantar a guerrilha rural.
Em 1961 estávamos em plena democracia. Então para que eles estavam se organizando? Julião já treinava na época as suas Ligas Camponesas, que eram muito semelhantes ao MST de hoje, só que sem a organização, o preparo, os recursos, a formação de quadros.

E foi com essa propaganda mentirosa que eles iludiram muitos jovens e os cooptaram para as suas organizações terroristas.

Então, começou a luta armada. Foram vários atos terroristas: o atentado ao aeroporto de Guararapes, em Recife, em 1966; a bomba no Quartel General do Exército em São Paulo, em 1968; o atentado contra o consulado americano; o assassinato do industrial Albert Boilesen e do capitão do Exército dos Estados Unidos Charles Rodney Chandler; seqüestros de embaixadores estrangeiros no Brasil . A violência revolucionária se instalou. Assassinatos, ataques a quartéis e a policiais aconteciam com freqüência. Nessa época, eles introduziram no Brasil a tática de obter dinheiro com assaltos a bancos, a carros fortes e a estabelecimentos comerciais. Foram eles os mestres que ensinaram tais táticas aos bandidos de hoje.Tudo treinado nos cursos de guerrilha em Cuba e na China. As polícias civil e militar sofriam pesadas baixas e não conseguiam , sozinhas, impor a lei e a ordem. Acuado, perdendo o controle da situação, o governo decretou o AI-5, pelo qual várias liberdades individuais foram suspensas. Foi um ato arbitário mas necessário. A tênue democracia que vivíamos não se podia deixar destruir.
Para combater o terrorismo, o governo criou uma estrutura com a participação dos Centros de Informações da Marinha (CENIMAR), do Exército (CIE) e da Aeronáutica (CISA). Todos atuavam em conjunto, tanto na guerrilha rural quanto na urbana. O Exército, em algumas capitais, criou o seu braço operacional, os Destacamentos de Operações de Informações ( DOI). Para trabalharem nos diversos DOI do Brasil, o Exército seleciononou do seu efetivo alguns majores, capitães e sargentos. Eram, no máximo, 350 militares, entre os 150 mil homens da Exército.
Eu era major, estagiário da Escola de Estado Maior. Tinha na época 37 anos e servia no II Exército, em São Paulo. Num determinado dia do ano de 1970, fui chamado ao gabinete do comandante do II Exército, general José Canavarro Pereira, que me deu a seguinte ordem: "Major, o senhor foi designado para comandar o DOI/CODI/II Ex. Vá, assuma e comande com dignidade".
A partir desse dia minha vida mudou. O DOI de São Paulo era o maior do país e era nesse Estado que as organizações terroristas estavam mais atuantes. O seu efetivo em pessoal era de 400 homens. Destes, 40 eram do Exército, sendo 10 oficiais, 25 sargentos e 5 cabos. No restante, eram excelentes policiais civis e militares do Estado de São Paulo. Esses foram dias terríveis! Nós recebíamos ameaças freqüentemente.
Minha mulher foi de uma coragem e de uma abnegação total. Quando minha filha mais velha completou 3 anos de idade, ela foi para o jardim da infância, sempre acompanhada de seguranças. Minha mulher não tinha coragem de permanecer em casa, enquanto nossa filha estudava. Ela ficava dentro de um carro, na porta da escola, com um revólver na bolsa. Não somente nós passamos por isso! Essa foi a vida dos militares que foram designados para combater o terrorismo e para que o restante do nosso Exército trabalhasse tranqüilo e em paz.
Apreendemos em "aparelhos" os estatutos de, praticamente, todas as organizações terroristas e em todos eles estava escrito, de maneira bem clara, que o objetivo da luta armada urbana e rural era a implantação de um regime comunista em nosso país. Aos poucos o nosso trabalho foi se tornando eficaz e as organizações terroristas foram praticamente extintas, por volta de 1975. Todos os terroristas quando eram interrogados na Justiça alegavam que nada tinham feito e só haviam confessado os seus crimes por terem sido torturados. Tal alegação lhes valia a absolvição no Superior Tribunal Militar. Então, nós passamos a ser os " torturadores".
Hoje, como participar de seqüestros, de assaltos e de atos de terrorismo passou a contar pontos positivos para os seus currículos, eles, posando de heróis, defensores da democracia, admitem ter participado das ações. Quase todos continuam dizendo que foram torturados e perseguidos politicamente. Com isso recebem indenizações milionárias e ocupam elevados cargos públicos. Nós continuamos a ser seus " torturadores" e somos os verdadeiros perseguidos politicos. As vítimas do terrorismo até hoje não foram indenizadas.
Houve 120 mortos identificados, que foram assassinados por terroristas (estima-se que existam mais cerca de 80 que não foram identificados). 43 eram civis que estavam em seus locais de trabalho; 34, policiais militares; 12, guardas de segurança; 8, militares do Exército; 3 agentes da Polícia Federal; 3 mateiros do Araguaia; 2 militares da Marinha; 2 militares da Aeronáutica; um major do Exército da Alemanha; um capitão do Exército dos Estados Unidos; um marinheiro da Marinha Real da Inglaterra.
A mídia fala sempre em "anos de chumbo", luta sangrenta, noticiando inclusive que , só no cemitério de Perus, em São Paulo, existiriam milhares de ossadas de desaparecidos políticos. No entanto o Grupo Tortura Nunca Mais reclama um total de 284 mortos e desaparecidos que integravam as organizações terroristas. Portanto, o Brasil, com sua população e com todo o seu tamanho, teve na luta armada, que durou aproximadamente 10 anos, ao todo 404 mortos, dos dois lados. Na Argentina as mortes ultrapassarm 30.000 pessoas; no Chile foram mais de 4.000 e no Uruguai outras 3.000. A Colômbia, que resolveu não endurecer o seu regime democrático, luta até hoje contra o terrorismo. Ela já perdeu mais de 45.000 pessoas e tem um terço do seu território dominado pelas FARC.
Os comunistas brasileiros são tão capazes quanto os seus irmãos latinos. Por que essa disparidade? Porque no Brasil dotamos o país de leis que permitiram atuar contra o terrorismo e também porque centralizamos nas Forças Armadas o combate à luta armada. Fomos eficientes e isso tem que ser reconhecido. Com a nossa ação impedimos que milhares de pessoas morressem e que esta luta se prorrogasse como no Peru e na Colômbia. No entanto, algumas pessoas que jamais viram um terrorista, mesmo de longe, ou preso, que jamais arriscaram as suas vidas, nem as de suas famílias, criticam nosso trabalho. O mesmo grupo que só conheceu a luta armada por documentos lidos em salas atapetadas e climatizadas afirma que a maneira como trabalhamos foi um erro, pois a vitória poderia ser alcançada de outras formas. Já se declarou, inclusive, que: "a ação militar naquele período não foi institucional. Alguns militares participaram, não as Forças Armadas. Foi uma ação paralela". Alguns também nos condenam afirmando que, como os chefes daquela época não estavam acostumados com esse tipo de guerra irregular, não possuíam nenhuma experiência. Assim, nossos chefes, no lugar de nos darem ordens, estavam aprendendo conosco, que estávamos envolvidos no combate. Segundo eles, nós nos aproveitávamos dessa situação para conduzir as ações do nosso modo e que, no afã da vitória, exorbitávamos .
Mas as coisas não se passavam assim. Nós, que fomos mandados para a frente de combate nos DOI, assim como os generais que nos chefiavam, também não tínhamos experiência nenhuma. Tudo o que os DOI faziam ou deixavam de fazer era do conhecimento dos seus chefes. Os erros existiram, devido à nossa inexperiência, mas os nossos chefes eram tão responsáveis como nós.
Acontece que o nosso Exército fazia muito tempo que não era empregado em ação. Estava desacostumado com a conduta do combate, onde as pessoas em operações têm que tomar decisões, e decisões rápidas, porque a vida de seus subordinados ou a vida de algum cidadão pode estar em perigo.
Sempre procurei comandar liderando os meus subordinados. Comandei com firmeza e com humanidade, não deixando que excessos fossem cometidos. Procurei respeitar os direitos humanos, mas sempre respeitando, em primeiro lugar, os direitos humanos das vítimas e, depois, os dos bandidos. Como escrevi em meu livro "Rompendo o Silêncio", terrorismo não se combate com flores. A nossa maneira de agir mostrou que estávamos certos, porque evitou o sacrifício de milhares de vítimas, que aconteceu nos países vizinhos. Só quem estava lá, frente a frente com o terroristas, dia e noite, de arma na mão, pode nos julgar.

Finalmente, quero lhes afirmar que a nossa luta foi para preservar a democracia. Se o regime implantado pela Contr -Revolução durou mais tempo do que se esperava, deve-se, principalmente, aos atos insanos dos terroristas. Creio que, em parte, esse longo período de exceção deveu-se ao fato de que era preciso manter a ordem no país. Se não tivéssemos vencido a luta armada, hoje estaríamos vivendo sob o tacão de um ditador vitalício como Fidel Castro e milhares de brasileiros teriam sido fuzilados no "paredón" ( em Miami em fevereiro, foi inaugurado, por exilados cubanos, um Memorial para 30.000 vítimas da ditadura de Fidel Castro).
Hoje temos no poder muitas pessoas que combatemos e que lá chegaram pelo voto popular. Esperamos que eles esqueçam os seus propósitos de quarenta anos passados e preservem a democracia pela qual tanto lutamos."









11 de agosto de 2010

As mil e uma caras da Rua do Riachuelo

Corredor histórico mais movimentado da renovada Lapa, é palco de paradoxos




As cifras estilizadas da fachada do Business Flat, o número 54, pairam lado a lado com as janelas sem esquadrias, das quais pululam varais descarnados e odores dos mais diversos. No condomínio de nome estrangeiro, o aluguel de um apartamento mobiliado, com direito a serviço de quarto e área de lazer, custa, em média, R$ 2 mil mensais; do outro lado da parede, na construção reduzida ao esqueleto — uma “ocupação”, como é conhecida no bairro — dezenas de famílias de sem-teto improvisam cômodos com compensados. Na calçada, entrecruzam-se filetes de esgoto sem tratamento.

Os dois edifícios, geminados, refletem os paradoxos que habitam a Rua do Riachuelo. Ex-Caminho da Bica, ex-Rua de Mata-Cavalos, a via que carrega mais de três séculos de História é o eixo central da recente renovação pela qual passa a Lapa e adjacências. São quase dois quilômetros de um logradouro sinuoso, que costura o Centro do Rio de Janeiro ao relevo de Santa Teresa. Imortalizada na prosa do maior escritor brasileiro, cenário por onde passaram diferentes personagens históricos, a Riachuelo é hoje palco de burburinho ininterrupto.

Começa no Largo da Lapa — sua extremidade mais badalada — e termina na Rua Frei Caneca — ponto marcado pela decadência. Neste percurso, mescla o antigo ao novíssimo. Seu panorama arquitetônico é como um jogo de colagens: nesgas de art decó, nesgas de neoclassicismo. Painéis de azulejos portugueses lado a lado com fachadas envidraçadas. Empreendimentos imobiliários recém-erguidos fazendo sombra a casarões centenários.

Da moda às ervas


“A Rua do Riachuelo tem acolhido cada vez mais as luzes da Lapa”, define o geógrafo João Baptista Ferreira de Mello, da Uerj, que coordena o projeto “Roteiros Geográficos do Rio”. “É uma rua tradicional numa parte periférica do Centro, e agora está vivendo uma metamorfose.”

Dentro desta metamorfose, os recém chegados points da moda convivem lado a lado com cenas de antigamente. Inaugurado há dois anos no número 101, o ateliê O Sobrado é um exemplo do primeiro caso. A portinhola de metal, tão acanhada, não dá nenhuma pinta do que se encontra lá dentro: um espaço charmoso que abriga as criações de cinco jovens marcas. No rol de produtos em exibição no showroom (é preciso marcar hora para as visitas), há bolsas (da Orange) e vestidos estilosos (da Balacobaco), objetos de arte (da Objeto A) e acepipes de pâtisserie (da Fazendo Doce). Além disso, O Sobrado também é onde nascem os projetos de dança assinados pela Companhia Arquitetura do Movimento. As designers Renata Gobert e Anita Bastos, da Objeto A, explicam como a criação do ateliê foi amparada pela revitalização da Lapa: “A ideia foi aproximar nossas empresas do conceito de entretenimento e de arte que marca essa rua”. Tanto que, no primeiro sábado de cada mês, o casarão sedia um evento que mescla moda, música e gastronomia.

Alguns metros adiante, no trecho em frente à Av. Nossa Senhora de Fátima, a gaúcha Olinda Mariano dos Passos oferece, desde 1971, as ervas terapêuticas e culinárias que compra na Cadeg. Cominho, fumo de rolo, pimenta do reino e colorau são os campões de venda. “Aos sábados, chego a vender dois quilos e meio”, comemora a ambulante. “Queria ter capital para colocar mais variedade.” Logo ao lado, uma série de mercadorias para lá de peculiares é exposta no chão: fitas VHS, conchas, abajur, raquete, aparelhos de telefone e até um vidro usado de Hipoglos. Objetos que, aparentemente sem utilidade, têm lá seu público consumidor. “Arrecado cerca de R$ 20 por dia”, conta o vendedor, que prefere não se identificar.

Entre o santo e o mundano
Além do comércio herbóreo e de quinquilharias, outras atividades do passado rondam a Rua do Riachuelo. É o caso da União Beneficente dos Choferes. Desde a década de 60, é um dos grupos a ocupar o número 373, prédio inaugurado por Juscelino Kubitschek, como gostam de dizer seus funcionários. Apesar da obsolescência da categoria “choferes”, a União ainda se mantém com a contribuição de sócios antigos e a pecha de ser, às vésperas de completar 100 anos, a mais antiga associação de motoristas do Rio de Janeiro. Na oratória plantada no centro do edifício, um São Cristóvão moldado em Portugal abençoa a classe.

A Riachuelo, afinal, é uma rua de fé. A Igreja de Nossa Senhora de Fátima, construção gótica no número 367, é tradicional reduto de fiéis portugueses. Deu nome ao bairro de Fátima, e arrasta uma pequena multidão na festa de 13 de maio. No outro extremo do logradouro, a Capela Menino Jesus, um singelo prédio cor de rosa, também oferece missas semanais, enquanto testemunha o aumento da concorrência de público: logo em frente, a Igreja Evangélica da Lapa surge espremida entre uma galeteria e um estacionamento 24 horas.

Adiante, uma Igreja Universal do Reino de Deus compõe uma estranha vizinhança com o Clube dos Democráticos e a Gafieira Lapa 40º, palcos de atividades mais mundanas.

Os dois espaços, aliás, compõem o eclético panorama de diversão noturna do logradouro, outro setor no qual o antigo e o novo se misturam de forma peculiar. No trecho mais próximo aos Arcos da Lapa, a miscelânia musical e de estilos pulula em espaços recentes, como o Rio Rock e Blues, casa onde predomina o pop rock, ou no próprio Lapa 40º, que há dois anos registra filas na porta de seus shows de MPB ou samba. O espaço de quatro andares ganhou até grife, além de uma filial em Búzios.

Enquanto isso, ainda resistem cenários que denotam a decadente boemia que deu fama ao bairro. Como a Sinuca de Bico, salão que ocupa o segundo andar do 260. Lá, o público de perfil variado desfruta cervejas de garrafa entre uma tacada e outra. Ao fundo, um cubículo esconde um disputadíssimo videoquê de repertório brega.

Soho ou Augusta?

Com tantas — e tão diversificadas — opções de entretenimento, a Riachuelo tem sido chamada de Rua Augusta carioca. Estimulado pelo lazer abundante, o boom imobiliário rende outra comparação para o logradouro: há quem diga que é o nosso Soho. Prova disso é o sucesso do empreendimento Cores da Lapa, que em 2005 deixou o universo imobiliário boquiaberto ao vender 668 apartamentos em apenas duas horas.

A caça a um imóvel vago, que há pouco era exacerbada no trecho mais lapeano da rua, agora já tem seus reflexos no extremo mais próximo à Rua Frei Caneca — área no qual os prédios residenciais são entremeados por oficinas, lojas de material de construção, serralherias e botequins.

“Quase todo dia aparece alguém perguntando se há apartamento vago”, conta Paulo Jesus Silva, porteiro do Edifício Antonioni, uma construção de traços modernistas que abriga 60 apartamentos de um, dois ou três quartos. Os moradores são, em sua grande maioria, aposentados. Mas os aspirantes atuais têm perfil eclético, explica o funcionário.

Além das opções de entretenimento, outro atrativo da rua é a gama de serviços que tem se multiplicado nos últimos anos. Grandes marcas como a Casa&Vídeo e O Boticário se instalaram por lá há pouco tempo, fazendo vizinhança aos supermercados Sendas e Mundial. Nas fachadas, aqui e acolá, brotam marcas famosas: Citycol, Casa Show, Pello Menos. No último mês, o curso de idiomas Yes abriu uma franquia no número 161, de olho no aumento de jovens na região.

Preciosidades

Misturado a tantas logomarcas reconhecidas, o comércio miúdo ainda pulsa por toda a extensão da via. A Galeria Fátima, no número 241, é um exemplo da diversidade acolhida pelo bairro: no corredor escuro, há locadora de games, sex shop, bar, vidraçaria, costureira, salões de beleza e oficina de bijuterias.

Em meio a tamanha variedade de serviços, um passeio pela Riachuelo guarda surpresas. Uma delas é o sebo Das Raízes aos Frutos, instalado há seis meses no 257. Suas prateleiras escondem joias como um álbum de figurinhas alemão da década de 30 e um romance polonês de 1889 — cujo título o empresário Luiz Antônio Celestino ainda não conseguiu decifrar. E que tal fazer uma festa num casarão do século 18, que foi residência de um importante personagem histórico nacional? A partir de R$ 1 mil o espaço da Casa de Osório, onde hoje funciona a Academia Brasileira de Filosofia, pode ser reservado para eventos.

A construção foi residência do Marechal Osório — também conhecido como Marquês de Herval — Ministro da Guerra de Pedro II. Em uma de suas salas, há o cofre que guardava sua espada de ouro e diamantes. Atualmente, o espaço abriga departamentos como Filosofia do Esporte e Relações Internacionais.

Bentinho e Capitu

Mas o Marechal Osório não é o único personagem histórico relacionado à Rua do Riachuelo. Alguns registros dão conta de que foi no logradouro que morreu Jean-François Duclerc, o oficial da marinha francesa que tentou conquistar o Rio de Janeiro no século 18.

Fora isso, a Riachuelo é a rua que deu luz à mais popular — e insondável — suspeita de traição conjugal da literatura brasileira. Foi na Mata-Cavalos que Bentinho e Capitu, protagonistas de Dom Casmurro, romance mais famoso de Machado de Assis, se conheceram. A toada do vendedor de doces que cruzava as tardes no logradouro era um código de amor entre o casal — até a dona dos famosos olhos de ressaca admitir que a esquecera por completo. Foi a deixa para que Bentinho colocasse em xeque a devoção da esposa.

Hoje, é a toada do vendedor de sorvetes que se mistura às buzinas, no fim da tarde: a hora em que a Riachuelo começa mais uma de suas metamorfoses diárias.







Colaboração de Juliana Krapp