3 de maio de 2010

Raposa: um ano depois, o Sol se pôs





02 de maio de 2010

Editoria MSIa (*)

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou a Roraima, pela segunda vez em seu mandato, para comemorar o aniversário da demarcação definitiva da reserva indígena Raposa Serra do Sol em território contínuo. Como se recorda, a medida obrigou a expulsão de todos os “não-índios” da área, inclusive os arrozeiros que desempenhavam a única atividade econômica regular ali praticada. Na ocasião, tanto a cúpula do Governo Federal como todo o movimento ambientalista-indigenista saudaram ruidosamente o evento como um triunfo histórico, que de fato foi, para este aparato intervencionista que opera no País como uma eficiente força de “guerra irregular” a serviço de uma agenda estrangeira. Um ano depois, é interessante e didático conferir o resultado da medida.

Convidada pelo Palácio do Planalto a acompanhar a comitiva oficial, a jornalista Tania Monteiro, do jornal O Estado de S. Paulo, escreveu um didático relato da visita presidencial à reserva, ao qual deu o significativo título “Um vaga-lume na selva” (24/04/2010). Passemos-lhe a palavra:

O que o presidente Lula e sua comitiva não encontraram, na comemoração do aniversário da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, foi a divisão que lá havia, há um ano, entre os índios favoráveis à demarcação contínua e à expulsão dos brancos produtores de arroz ou pecuaristas daquelas terras e os que se opunham à expulsão dos arrozeiros, porque dependiam deles para sua sobrevivência. Desta feita, o que Lula encontrou foi uma completa união: tanto os que eram favoráveis como os que eram contra a exclusividade da ocupação indígena daquelas terras se tornaram solidariamente contra a demarcação tal como foi feita.

É que os dois grupos sentiram fortemente os efeitos da queda de produção e da falta de trabalho. Seus meios de sobrevivência escassearam e, de lá para cá, os chefes de família têm tido de se contentar com o que suas mulheres recebem do Bolsa-Família e do programa de cestas básicas.

De fato, a inconsequente, se não criminosa, decisão de expulsar os produtores da área implicou na perda de uma safra anual da ordem de 120-130 mil toneladas de arroz, que eram cultivados em 20 mil hectares – meros 1,1 % da área total da reserva. Além de proporcionar mais de 6 mil empregos diretos e indiretos, a rizicultura representava 7-8% do PIB de um estado ainda extremamente dependente de repasses orçamentários do Governo Federal. Além de abastecer o estado, o arroz cultivado na área era exportado para o Amazonas (onde abastecia até 80% do mercado local), Pará e Amapá. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o arroz roraimense, cuja produtividade era a mais alta do País, atingindo índices superiores a 6 toneladas por hectare, alimentava uma população de cerca de dois milhões de pessoas (Resenha Estratégica, 23/04/2008).

Voltando a Tânia Monteiro, ela observou que:

O pretendido entusiasmo, que se esperava dos grupos de índios convocados e organizados pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) - entidade que comandara mobilizações em favor da demarcação contínua - para recepcionar o presidente da República em Maturuca, cantar o Hino Nacional em dialeto macuxi e exibir outras formas de vitoriosa alegria, ficou obnubilado pela frustração e tristeza dos que haviam perdido o trabalho de uma vida inteira ou até de mais de uma geração.

Segundo ela, nem o governador do estado, José Anchieta Júnior (PSDB), compareceu à “festa”, por ter sido um dos opositores à demarcação contínua e à expulsão dos rizicultores. E, observou, nem “as descontraídas brincadeiras do presidente Lula - que colocou um cocar na cabeça e ameaçou usar do arco e flecha contra fotógrafos”, animaram os presentes.

Aliás, a reação presidencial aos fatos do mundo real foram simplesmente deploráveis (embora não se pudesse esperar algo diferente). Lula não somente não se deu por achado, fingindo não perceber o desagrado generalizado, como ainda debochou do fato de que as instalações elétricas e sanitárias que encontrou na maloca Maturuca eram provisórias, tendo sido instaladas às pressas apenas para uso de sua comitiva. “Na hora em que eu virar as costas, vocês vão ficar no escuro outra vez, como se eu fosse um vaga-lume”, disse ele.

Para não ficar de todo mal, o presidente da República prometeu que o ministro de Minas e Energia voltaria ao local para levar luz à localidade. Mas, como observou oportunamente Tânia Monteiro, teve a prudência de não dizer quando isso ocorreria. Pelo que se pode supor das inclinações do seu governo, talvez, nas calendas gregas.

Não seria ironia dizer que, na Raposa Serra do Sol, os indígenas passaram a contar apenas com o astro-rei para iluminar o seu vasto território “libertado” do convívio com os não-índios.


(*) Fonte: http://www.msia.org.br/ibero-am-rica-iberoam-rica/brasil/952.html