6 de abril de 2008

Estamos mais tristes.

Dizem que ficamos velhos quando começamos a ler o jornal pela página do obituário.
Hoje eu fiz e li...


06/04/2008 09:27

O mundo de Charlton Heston


Era bom viver no universo de Charlton Heston. Eu tinha menos de dez anos quando assisti a Ben Hur.
O filme tinha cenas que provocavam medo, daqueles de tapar os olhos com as mãos. Mas também exibia a célebre corrida de bigas, velozes e barulhentas.(Pais e professores cismavam que o nome certo seria quadrigas, já que eram formadas por quatro corcéis maravilhosos).
Como é possível esquecer tudo isso?
O cinema daquele tempo era o espelho de um mundo que queria dar a impressão de que vivemos num mundo organizado pela razão e pela ordem, a partir de valores sólidos e uma idéia clara de progresso. A realidade não era nada disso. Nada parecia provisório nem descartável.
Os personagens daquele cinema não eram tipos inseguros, no centro de um roteiro de passagens sem nexo e final ambíguo. Os filmes tinham o direito de contar mais uma vez a história da humanidade em apenas duas horas. O final era sempre feliz e quase sempre edificante.
Vivia-se a Guerra Fria. Hollywood queria ajudar a cimentar consensos, produzia histórias que eram exemplos para se contar aos filhos, os heróis pareciam pessoas de verdade.
Pensava-se que a vida era mesmo asssim.
Em 60 anos de carreira, Charlton Heston encarnou o início, apogeu e queda deste cinema. Antes de Ben Hur, foi Moisés nos anos 50. Uma década depois, em 1968, anunciou os novos tempos como protagonista de O Planeta dos Macacos, um dos primeiros e mais surpreendentes filmes a sustentar a idéia de que a passagem do homem sobre a Terra pode ser definida como um fiasco. Em 1975, fez Aeroporto, o início do cinema-catástrofe.
Com o passar dos anos, sua carreira de ator ficou escondida por sua atividade política, como cabo-eleitoral do Partido Republicano e lobista da industria de armas americana. O cinema e a política perderam.
Rosto de um mundo que não existe mais, Charlton Heston foi estrela de um cinema que tinha alguma coisa de templo, tamanha a reverência merecida por aqueles homens e mulheres que apareciam na tela depois que as luzes se apagavam. Vi Ben Hur no Cine Metro, na avenida São João, em São Paulo, então um local nobre da cidade que hoje é ocupado por famílias de trabalhadores pobres em convívio forçado com dependentes químicos, traficantes e pequenos bandidos de todas especialidades. São outros tempos – e não só para o cinema.


enviada por Paulo Moreira Leite

Polêmico, consciente sem hipocrisia. Tinha sua conveniência...
Estou ficando velho.


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