6 de abril de 2008

Gostei e compartilho...

05/04/2008 10:25

Ziraldo e Herzog: diferença de 800%

Perseguido pelo regime militar, Ziraldo entrou com uma ação por reparação de danos e vai embolsar uma grana federal. Terá direito a uma bolada inicial de R$ 1.000.253, 24, mais uma aposentadoria de R$ 4.375,88 por mês, até o fim de seus dias. Jaguar foi vitorioso numa ação semelhante e vai receber R$ 1027.388,29. Também terá direito a uma pensão de R$ 4.375,88.
Acho que toda vítima da ditadura tem o direito a uma reparação. Autoridades que representavam o Estado cometeram crimes e é preciso que se pague por eles. Não discuto o direito. Discuto o número. Embora seja um grande admirador de Zirado, acho essa soma vergonhosa.
Não acho que o Brasil lhe “deve essa indenização,” como ele declarou no final do julgamento.
Jornalista, como Ziraldo, adversário do regime, como Ziraldo, Vladimir Herzog foi preso, massacrado pela tortura e assassinado. Sua família teve direito a uma indenização de R$ 120 000 reais. Mário Alves, que também era jornalista, foi preso e assassinado. A família recebeu a mesma coisa. Os herdeiros de Rubens Paiva, deputado sequestrado e morto pelo porão militar, também receberam R$ 120 000.
Ziraldo esteve preso, sofreu perseguições e perdeu empregos em diversas oportunidades em função de sua atividade política. As pessoas que mencionei acima – poderia apontar outros exemplos – também. Além disso, perderam a vida. A indenização de Ziraldo é 800% maior que a delas. Ele ainda terá uma aposentadoria especial, vitalícia, ao contrário das viúvas e herdeiros dos militantes assassinados.
Numa tese de doutorado defendida recentemente na Universidade de São Paulo, com o título de “O Preço do Esquecimento: "O preço do esquecimento: as reparações pagas às vítimas do regime militar (uma comparação entre Brasil, Argentina e Chile)"a cientista política Glenda Mezarobba faz um apanhado definitivo sobre as contradições que envolveram as reparações pagas aos perseguidos.
Ela mostra que essas somas milionárias não tem relação com a luta contra a ditadura, mas expressam nosso atraso político, nossa mania de confundir a esfera pública com a privada – e nossa dificuldade para consolidar direitos e liberdades, impedindo que os mesmos erros se repitam no futuro.
Glenda explica que o valor das indenizações não se baseia na gravidade do crime cometido pelo Estado, o que seria o natural numa ação por direitos políticos, mas numa barganha econômica, pela qual quem pode mais chora menos. Na prática, o valor foi fixado por critérios econômicos, pelo poder de pressão e prestígio das vítimas, fenômenos típicos de uma sociedade desigual e injusta, como a nossa -- como Ziraldo tantas vezes explicou em seus livros para crianças.
No país do "sabe com quem está falando?," um engenheiro de estatal podia pleitear uma compensação maior que a de um operário – embora os dois fossem militantes de uma mesma causa, e pudessem ter sido sofrido o mesmo tipo de violência, nas mãos dos mesmos carrascos.
Por que? Porque se estivesse fora da cadeia, teria uma renda mensal maior. Está errado. A luta contra a ditadura envolvia, acima de tudo, uma questão de consciência. Se esse critério fosse válido, ao sair da prisão o escritor Caio Prado Junior, cuja família já foi dona de uma das maiores fortunas do país, deveria ter herdado a Petrobrás, não é mesmo?
Em países como Argentina e Chile as pessoas receberam reparações fixas por cada dia em que ficaram presas sem julgamento. As pensões tinham um equivalente no serviço público. Jamais chegaram a somas iguais as que se paga no Brasil. Também davam direito a assistência médica do Estado.
As indenizações milionárias produziram uma distorção histórica, também. Ao embolsar somas fora de qualquer critério, muitos brasileiros que, em função de seu comportamento digno durante a ditadura, deveriam ser alvo de grande admiração, hoje são vistos como cidadãos privilegiados, com acesso especial aos cofres do Estado.
Fernando Henrique Cardoso declarou à Glenda Mezarobba que, no Brasil, “todo mundo quer uma boquinha no tesouro.” Qualquer que seja sua opinião sobre o político FHC, sobre seu governo e suas idéias, eu pergunto: você acha que ele está errado?

enviada por Paulo Moreira Leite


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2 comentários:

Anônimo disse...

Luiz,que bom você ter atualizado o seu blog.Fiquei feliz com a homenagem ao Bota mas já estava ficando ansiosa por coisa nova.Parabens! Bom recomeço, Lila

Anônimo disse...

isso é fazer apologia com dinheiro público