Entrevista: Dercy Gonçalves
"Dolores Costa Gonçalves, a Dercy Gonçalves, nasceu em Santa Maria Madalena (RJ), em 1907. Grande expoente do teatro de improviso no Brasil, estreou nos palcos em 1929, na Companhia Maria Castro, em dueto com Eugênio Pascoal. No Rio de Janeiro, vira estrela do teatro de revista nos anos 40 e 50. Nos anos 60, com a decadência do gênero, passa a se dedicar à comédia. Nos anos 80, ingressa na televisão, onde é jurada de programas populares. Atuou em mais de 20 longas-metragens.
Dercy Gonçalves não acredita em livre-arbítrio. Defende que se está aqui hoje, prestes a completar 100 anos (em 23 de junho) e após chocar gerações subvertendo normas de comportamento, no dia-a-dia e no palco, é porque foi "predestinada" a sair da pequena Santa Maria Madalena, no interior fluminense, ainda menina, para ganhar o mundo. E seu destino foi se rebelar. A irreverente atriz, conhecida pela linguagem desbocada no teatro e em programas de TV como Dercy de verdade (Globo) e Fala, Dercy (SBT), também não acredita em amor ou amizade. Segundo ela, o que vale é preservar os bons relacionamentos e cultivar a honestidade. Com uma filha, dois netos e dois bisnetos, mora apenas com acompanhantes, em Copacabana. Não espera nada de parentes. Afirma que criou a família para o mundo e que não crê em obrigações. E assim vai vivendo, sem mais planos, mas com muita saúde e joie de vivre. (Rachel Almeida)
Como pretende comemorar os 100 anos?
Não posso deixar de ir a Madalena (que fará três dias de festa para Dercy). E existem outros projetos (o Jockey Clube de São Paulo planeja uma homenagem e uma produtora carioca, uma mostra cinematográfica), mas são sonhos, né? Não planejo muito porque não sei se vivo. Com 100 anos, você não pode fazer projetos. Nem para amanhã, quanto mais para junho.
Quais as vantagens e as limitações da idade?
A felicidade da idade é esquecer. Eu não sei o que é mal, o que é bem, o que é ruim, o que é bom. Então, eu vivo em um mundo de felicidade. Eu vivo tão feliz que chego a ter medo dessa felicidade. Não tenho uma doença! Isso é um prêmio. A cabeça só não é igualzinha à do começo da vida porque conquistei mais cultura e educação. Na infância, não tive educação, nem pai, nem mãe, nem família, não tive ninguém.
Você começou a vida sozinha e, ao longo da carreira, parece não ter se identificado com grupos específicos também.
Nunca tive grupo. Saí de casa ao me envolver com um rapaz (Eugênio Pascoal) de uma companhia teatral. Fui duetista com ele. Cantava músicas lindas! Vivi cinco anos com ele como mulher, mas sem ser sua mulher.
Como assim?
Nunca fui chegada a sexo. A primeira vez que fiz, saiu sangue e eu fiquei muita aflita. Levei o rapaz pra cadeia, ele foi preso! Pensei que casar fosse dormir junto. Era uma ignorância...
E como supriu a falta de cultura?
Vendo e aprendendo. Tive bons amigos, que me ensinavam, corrigiam, como o Homero Kosac, o Luís Carlos, a Dulcinéia, o Boni, o Danilo (Ribeiro, jornalista com quem se casou), que abriram minha cabeça e os olhos.
Viajou muito?
Ninguém viajou mais que eu. Quando estava na Globo, ganhava passagem todo ano para o exterior. Aprendi muito. E também com o teatro, claro, que dá uma cultura danada. Imagine que liam para mim, pois não sabia ler. Aprendi sozinha. E mesmo sem saber o que era uma família criei uma exemplar.
Quem é a sua família hoje?
Tenho uma filha, dois netos e dois bisnetos. Tive minha filha por acaso. O pai (Ademar Martins) foi à Casa de caboclo (o espetáculo em que Dercy despontou) e me convidou para almoçar. Eu vivia com o Pascoal, que estava tuberculoso, na cama. Nesse almoço, tossi, saiu sangue, e ele descobriu que eu estava tuberculosa. Fiquei sete meses num sanatório. Quando saí, fui morar em um apartamento que ele alugara na Praça Tiradentes.
E como é a sua relação com a família?
Minha filha e netos querem viver a vida deles. Não acredito em obrigação com parentes. Obrigação é sacanagem com os filhos. É a minha filosofia.
Tem uma vida confortável financeiramente?
Sim, muita boa. Ganhei muito dinheiro na Excelsior, Globo, SBT... Tive grandes empregos. Até hoje tenho um contrato vitalício com o SBT. Eles me pagam muito bem, mas não me chamam. Não faço nada, só ganho um ordenadão.
Como é seu dia-a-dia? Não tem vontade de voltar à ativa? Não posso abusar. Poderia fazer um talk-show fácil, afinal converso bem, só que tenho medo. Mas não fico em casa. Em casa, a velhice e a doença me pegam. Aceito quase todos os convites que me fazem para participar de eventos. Principalmente agora que gravei um DVD (que não foi lançado nas lojas). Vou aos eventos e em troca compram meu DVD. Vendi quase 2 mil! Estou na moda! Também vou a bingos quase todo dia (ela defende a legalização do jogo). É um lugar que emprega jovens e onde a velhice não é discriminada.
Como descobriu o talento para a comédia?
Virei comediante por acaso, não tive escola e ninguém me ensinou. Improvisei e vi que levava jeito pra coisa. E, naturalmente, eu já vim traçada para isso.
E vem de que época esse seu linguajar despudorado?
Isso sempre foi intuitivo. Sou liberada e não gosto de comando. Quero ter liberdade total, inclusive no palavreado. E nunca me incomodei com palavrões.
Você tem alguma grande saudade?
Não tenho saudade de ninguém, nem tenho amor a ninguém. Nem ódio. Eu acredito em respeito, não em amor. O respeito é que é importante. Também não acredito em amigo, mas em bom relacionamento. Existe a felicidade da boa convivência ou a infelicidade da má.
O que acha positivo e negativo neste novo século?
Não acho nada ruim, não tenho esse direito. Eu vivi o meu. Se o país está neste estado é porque não chegou a hora dele. Você tem que esperar com dignidade e tranqüilidade a sua vez. Ninguém tira o que é seu. Ninguém evita o inevitável.
Que inovações tecnológicas a atraem?
Não sei mexer em computador, nem sei ligar a televisão. Só uso o celular, ainda assim não escuto direito. Mas sei que a tecnologia gerou um avanço. A juventude era tímida, inocente e pura. Hoje está pervertida. Não há mais respeito à família.
Mas você também foi rebelde na adolescência...
Já havia a ventania deste século em cima de mim. Fui predestinada a quebrar tabus. E não fiz nada para me glorificar. Era para ser.
Você é vaidosa?
Eu me enfeito e uso peruca o dia inteiro. Não recebo ninguém como eu durmo, esculhambada.
Ainda vai ao teatro?
Não tenho ido não. Mas sei que as cópias estão aí. A Bibi Ferreira fez a Edith Piaf, a Marília Pêra, a Carmem Miranda. São pessoas que receberam uma mensagem para fazer a cópia. Eu, por outro lado, não copiei ninguém."
Interessante a atual fonte de rendimentos e emprego dela, demonstra preocupação com um artista que já deu muito lucro aos donos... Sílvio Santos, caladinho e fazendo a sua parte.
5 comentários:
A Dercy é mesmo uma figura, mas antes de tudo um ser humano cujo caráter pode servir de exemplo pra muita gente. Tem goste, admire... e quem a deteste. Eu prefiro o ângulo da experiência.
Ma, cd tua fotinho na página dos blogueiros? Tá fazendo falta!
bj$$$
essa mulher é de uma fibra especial que falta na maioria
Luiz, você tem razão.
Ela merece e o Sílvio merece os parabéns por isso.
Mas, por onde anda você?
beijos
Obrigado pela sua torcida, que desta vez não foi pelo Fogão, mas por uma bela de Nova Friburgo.
Valeu, amigo!
Luiz,
Estou que nem você numa fase difícil de acessar a Internet pro vários motivos. Me contento em passar pelo blog dos amigos, vez por outra. Quanto à Dercy é um ícone. Já o Silvio Santos, uma prova de que bons empresários são melhores que o governo, pois se preocupam com quem lhes dá lucro. Um abraço. S.
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