15 de maio de 2005

Na noite - Vera Cascaes

Já estavam quase saindo quando a outra chegou, cumprimentou uma delas com intimidade e sentou-se.
“Já vão sair? Ah, não...Agora que eu cheguei. Vocês não vão me deixar sozinha, né? Assim destreinada”.
“Mas por que sozinha? Onde está o Arnaldo?”, perguntou Anete.
“Anda não soubeste? Separamos mês passado”.
“Que pena...” Anete nem sabia o que dizer. Parecia uma virose, todo mundo separando ou querendo.
Laís entrou na conversa, torcendo as mãos. “Depois de quanto tempo?”
“Oito anos, minha filha. Uma vida”.
“Mas por que, gente? Ele tem outra? Estou passada e engomada!”
“Não. Quer dizer, eu acho que não. A gente não se dava bem, muita briga...”
“Mas ele não te maltratava, não é?”
“Não, imagina. Ele é um homem educado...”
“Mas ficaste bem na separação. Ele é mão de vaca? Tem uns...”
“Não, como não tivemos filhos. E ele ganha muito, muito bem...E eu trabalho, sempre trabalhei, né?”
“Claro, você é moça ainda. Vai encontrar uma boa pessoa. Ele ficou com o apartamento?”
“Ficou com o do Palais Rochelle. Ta morando lá. Eu fiquei com a casa do Lago Dourado, mas acho tão grande...”
Anete estava apenas assistindo a conversa.
“É, casa dá solidão, né?”, completou Laís.
“Falando nisso, ele já tem namorada? Homem costuma ser rápido”.
“Não, não tem. Logo depois ele foi fazer uma reciclagem no Texas, voltou semana passada”.
“Texas? Que chique. E você aqui...”
“Ele vai sempre. Coisas do trabalho”.
“O que ele faz, mesmo?”
“Importação de componentes eletrônicos”.
“Ah, fica fria, a solidão passa logo. Né, Anete?”
“Heim? Ah, claro. Mas, Laís, a gente até já pagou a conta. Temos que ir...”
“Tá bom, vamos. Bem, foi um prazer conversar com você...”
“Elisa...”, completou a recém chegada. “E você é...”
“Laís, prazer. A gente se vê. Boa sorte! Vamos Nete?”
“Vamos. Até mais Elisa”. As duas saíram e caminharam pela calçada até o estacionamento.
Anete interpelou a amiga. “Peraí, Laís...Eu até pensei que tu eras unha e carne com a Elisa. E nem conhecias... Aquele papo todo, ela não devia querer falar do casamento”.
“Que casamento, Nete? Eu queria era a ficha do ex. Partidão, minha filha, partidão”.
Anete parou, com as mãos nos quadris.“Como é que é? Tu estavas tomando informações do homem?”
“Claro, querida. Ninguém melhor para dar informações do que a ex. E olha que pelo jeito, ele é ótimo. Fecha a boca e entra no carro, antes que a gente seja assaltada!”
No caminho, Anete continuou a conversa.“Laís, eu pensei que já tinha visto tudo, mas tu és imbatível.”
“Olha, Nete, pára de frescura. Tudo isso só porque eu te disse que melhor que procurar um namorado em barzinho é ler o obituário do Liberal e ver se tem viúvo novo na praça... Grandes coisas... A gente tem que estar antenada, minha filha, ligadona,sacou ? Eu leio o Diário Oficial e fico sabendo das separações logo que elas ocorrem. Tem que procurar fruta perto do pé, no mercado está mais difícil, percebe? E geralmente eles têm caso, mas quando separam, largam o caso também... Aí, é só chegar perto”.
“E eu posso saber porque até hoje não funcionou?”, rebateu Nete, já irada.
“Como, não funcionou? E o Aurélio, o Tadeu, o Marivaldo e João Carlos? Dois casamentos e dois namoros longos”.
“Pelo amor de Deus!”
“Deixa Ele fora disso. A gente só deve chamar em casos mais difíceis”.
Anete acabou se calando. Afinal, não era uma idéia tão má.

Vera Cascaes é jornalista e tem uma coluna aos domingos em O Liberal. Imperdível, peguei o hábito quando morava lá e agora acompanho via Internet.

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