A INVENÇÃO DA LARANJA

Histórias, utilidades e virtudes de uma fruta maravilhosa, que pode ser saboreada ao natural, em suco ou como ingrediente de cozinhao

Na primeira metade do século XX, quando morou em Nova York, o escritor e jornalista Fernando Sabino (1923-2004) enviou para publicação no Brasil uma crônica extraordinária sobre a laranja. Nela contava que um americano dedicado ao cultivo dessa fruta estava preocupado com a concorrência dos vizinhos mais prósperos. Procurando batê-los, começou a espremê-la e a engarrafar o suco. Fracassou. O vidro não preservava a qualidade do produto. Com o correr do tempo, azedava. Resolveu enlatá-lo. Não deu certo. O suco adquiria o sabor característico dos alimentos enlatados. Fez nova tentativa. Embalou-o em caixinhas de papelão parafinado, com um pequeno orifício obturado no alto. O consumidor rompia o lacre e introduzia um canudinho. Mas a embalagem era frágil e suportava mal os rigores do transporte. Após experimentar todos os tipos de recipiente, o americano passou a extrair apenas o miolo da laranja. Deixava a casca intacta, repleta de líquido. "Em pouco tempo, apareciam no mercado as primeiras laranjas contendo no seu interior o suco já espremido", escreveu Sabino. A solução igualmente não funcionou. A embalagem natural murchava em poucos dias. Então, ocorreu-lhe uma idéia perfeita, infalível. O americano começou a vender o suco dentro dos próprios gomos, ou seja, deixando intacta a laranja, do jeito que havia sido colhida. "Deslumbrado com a invenção, correu à repartição pública mais próxima e encaminhou um pedido de patente", acrescentou Sabino. Daí o título da crônica - "A Invenção da Laranja" -, publicada no livro A Cidade Vazia/Crônicas e Histórias de Nova York (O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1950), que tomamos emprestado para batizar este texto.

Entretanto, se vivesse nos dias de hoje, o imaginoso produtor não precisaria experimentar tanto. As embalagens modernas, em vidro, plástico, lata ou tetrapak, conservam satisfatoriamente as qualidades essenciais do suco - cor, densidade, aroma e sabor -, e não só da laranja, mas dos cítricos em geral. De quebra, esticam sua vida. Num aspecto, porém, a crônica de Sabino continua atual. A melhor maneira de consumir a laranja é in natura, comendo-a ou espremendo-a na hora. Faz-se necessário um esclarecimento. Falamos até aqui da laranja doce, e não da amarga e azeda. O prazer de saborear seus gomos, de sorver o néctar que eles protegem, explica nosso interesse por uma das frutas mais cobiçadas do pomar universal. Seu suco ainda se presta maravilhosamente à elaboração de coberturas, crêpes, doces cristalizados, compotas, gelatinas, bolos, mousses, pudins, recheios, sorvetes tortas e soufflés. Existe até um "vinho de laranja", obtido através da fermentação do suco. Quando destilado, vira "aguardente" de laranja.
A laranjeira, mãe da fruta, cujo nome remonta ao sânscrito nãrangáh, ao persa nârang e ao árabe nãránya, é uma árvore do gênero Citrus, da família das rutáceas - a mesma de tangerina, lima, limão, pomelo e cidra. Originária das regiões tropicais e subtropicais da Ásia e do arquipélago malaio, teria chegado à Europa pela Grécia. O poeta helênico Hesíodo (770-700 a.C.), na obra Teogonia, mencionou quatro ninfas que, com a ajuda de um feroz dragão de três cabeças, guardavam uma árvore prodigiosa, com frutos de ouro. Era a laranjeira. Os árabes a introduziram no norte da África e sul da Europa. Transportada pelas caravelas de Cristóvão Colombo, na segunda viagem do navegador genovês ao continente, desembarcou na América em 1493. No Brasil, aportou pouco depois, por obra dos colonizadores portugueses. Eles a carregavam mundo afora, a fim de combater o escorbuto, uma doença que aterrorizava os navegantes, provocada pela carência de vitamina C e caracterizada pela tendência às hemorragias. A imediata adaptação da fruta ao nosso país foi registrada pelo padre Manuel da Nóbrega, fundador da cidade de São Paulo, em carta de 1459, enviada a Portugal. Mas era a laranja-azeda. A doce só apareceu no século XVII. Viajantes estrangeiros que percorreram o território nacional dois séculos depois a trataram como fruta nativa. Nosso cultivo foi crescendo e, em meados do século passado, deu um salto quando uma geada devastadora destruiu os laranjais da Flórida, nos Estados Unidos. Suprimos o déficit e passamos a ser grandes exportadores de suco de laranja.

Hoje, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais. São mais de 12 bilhões de quilos de laranja por ano. São Paulo responde por 70% desse volume. Imensas plantações da fruta se espalham pelos municípios de Araraquara, Bebedouro e Limeira. Cultivamos diversas variedades doces. Predomina a laranja-pêra, menor que as outras, com sabor adocicado e ideal para o preparo de sucos e geléias. Afortunadamente, apresenta alta concentração de vitamina C. Mas existem a laranja-bardo, também muito suculenta; a laranja-da-baía ou laranja-de-umbigo, pela saliência na parte de baixo, recomendada ao consumo in natura, refrescos ou pratos especiais; a laranja-da-terra, chamada em algumas regiões de laranja-cavala, utilizada com casca nas compotas; a laranja-lima, menos ácida, ministrada aos bebês; a laranja-seleta, igualmente destinada ao consumo in natura ou sucos, que não se presta à culinária. Isso sem falar nas denominações populares laranja-abacaxi, barão, branca, china, halmin, lisa, maltesa, mangaratiba, rosa, rubi, seleta e valência.

A laranja é uma fruta extremamente saudável. Todavia, seus nutrientes variam conforme a variedade. Fornece cálcio, fósforo, potássio. Além da riqueza em vitamina C (duas laranjas fornecem a quantidade diária necessária ao organismo humano), contém vitaminas do complexo B e um pouco de vitamina A. Também nos proporciona criptoxantina, substância antioxidante associada à prevenção de certos tipos de câncer. O ácido cítrico, presente em razoável porcentagem, contribui para regularizar o funcionamento intestinal. A parte branca da fruta apresenta pectina e ajuda a regularizar o colesterol do sangue. O problema é que a vitamina C se oxida com facilidade. Começa a desaparecer quando, após a laranja ser descascada, a polpa entra em contato com o ar. Uma solução é comê-la ou espremê-la imediatamente. Ao comprá-la, deve-se escolher a mais pesada, pelo volume superior de suco. Quanto mais ácida, maior o teor de vitamina C. Convém guardá-la em lugar fresco, de preferência na parte de baixo da geladeira. Tomados esses cuidados, o principal nutriente da laranja será preservado.

Saúde e prazer - e vice-versa!

Matéria publicada na Revista Gula, edição 166 - Agosto/ 2006

Biritar com moderação (ou não), mas vamos nos preservar para apreciar as vitórias do Botafogo e, principalmente, melhorar nosso país.

Saúde prá todos!