3 de setembro de 2005

Um Brasileiro.

Há muitos anos que o meu domingo começa, ainda na cama, assistindo ao Zé Hamilton no Globo Rural (o programa mais descompromissado e interessante da nossa TV). Ele retrata bem a alma humilde do brasileiro que ajuda os outros, paciente e de bom humor, solícito e solidário, um cara que, tenho a certeza, todos gostariam de compartilhar nos bate-papos. Culto e inteligente, bondoso, leal. Essa é a imgem que tenho dele e faço questão de mostrar para os meus filhos, sempre que ele aparece com suas brilhantes intervenções na TV.
Disponibilizo aos meus amigos o artigo do Ricardo Kotscho, site No Mínimo, que tem a competência literária necessária para homenagear o Zé.
José Hamilton, Zé Hamilton, me desculpe a intimidade pois não te conheço pessoalmente mas considero você um amigão experiente. Parabéns!

Ricardo Kotscho eu gostaria de ter escrito o artigo. Parabéns!


No Brasil de Zé Hamilton
– Fala, Zé!
Do alto dos seus 70 anos de vida e 50 de reportagem, aquele senhor magro, de cabelos brancos, de fala mansa e modos quase simplórios, reluta em subir ao pequeno estrado armado no Sítio Sanhaço, em Sarapuí, no velho interior paulista, onde os amigos lhe prestaram uma singela homenagem no sábado passado.
– Olha, pessoal, de tudo o que já vivi neste tempo todo de jornalista, posso dizer a vocês que aprendi duas coisas. A primeira é que não existe azeitona preta. Só tem azeitona verde no pé, no máximo marronzinha. O resto é azeitona tingida. Outra coisa: é sempre da torneira da esquerda que sai a água quente. Obrigado.
E foi tudo. Este jeito de ser e falar é próprio de José Hamilton Ribeiro, o maior repórter brasileiro da nossa geração, que há 25 anos conta suas reportagens no programa “Globo Rural”, da TV Globo, depois de ter passado pelas principais redações do país, a começar pela revista “Realidade”. Foi lá que ele se celebrizou na cobertura da guerra do Vietnã, que lhe custou a perda de uma perna ao pisar em terreno minado, mas não o tesão de prosseguir percorrendo o Brasil e o mundo em busca de boas histórias.
Zé Hamilton, ou Zé Parmito, como o chamam os amigos mais antigos, é um caso típico em que a obra se confunde com o autor. Circulando entre uma roda e outra de amigos no galpão do sítio de Hebe e Humberto Pereira, o eterno diretor do “Globo Rural”, Zé passa a tarde toda contando suas histórias com a mesma simplicidade das suas reportagens escritas nos jornais e nas revistas ou narradas em off na televisão há meio século.
Não é tão incomum um jornalista chegar aos 70 anos e continuar trabalhando na imprensa. Raríssimo – e acho que se trata de um caso único – é um jornalista completar 50 anos trabalhando como repórter, a atividade mais gratificante e, ao mesmo tempo, mais arriscada e desgastante da profissão. Mais do que isso: é ele continuar falando do seu mais recente trabalho com o mesmo entusiasmo, como se fosse a primeira reportagem da longa carreira. Só de ver a alegria do Zé Hamilton lembrando seus causos para os amigos, cercado da família e de toda a equipe que o acompanha há tanto tempo pelos fundões do Brasil, já teria valido a viagem, sem falar na fantástica costela que passou sete horas assando na churrasqueira e no tempero das pernas de carneiro. Mas tinha mais: por uma dessas bonitas coincidências da vida – serão mesmo coincidências? – estava lá para animar a festa o lendário sanfoneiro e compositor Mário Zan, que já tocava quando Zé Hamilton começou a escrever, entre outros músicos e cantores que o repórter foi conhecendo pelo caminho.
Aos 84 anos, mas com a animação de um cara muito mais novo, Mário Zan é o Zé Hamilton da música brasileira. Ambos são de natureza mais rural do que urbana, adoram o que fazem – e fazem questão de não se dar muita importância. Ao contrário das estrelas autobiográficas que infestam tanto o jornalismo como a música, os dois gostam mesmo é de elogiar os outros, contar as façanhas dos seus amigos, não as deles. No Brasil de Zé Hamilton, o papo é outro.
Aqui tudo é história, a começar pelo próprio Sítio Sanhaço, que Humberto Pereira comprou do Henfil, como ele conta no detalhado roteiro enviado aos amigos para não se perderem no caminho. “Originalmente, era um pequeno armazém do seu Campolim Machado. Está na margem direita do rio Itapetininga. Do outro lado, já é o município de Itapetininga. Uma grande fazenda que virou assentamento de reforma agrária (Assentamento Carlos Lamarca). Nessa fazenda, ninguém mais se lembra, nasceu Júlio Prestes, alijado de nossa história pela Revolução de 30. Era para ter sido presidente. Virou estação de trem em São Paulo e a estação virou sala de concertos de renome mundial.
”Como Zé Hamilton, Mario Zan também é movido a histórias e paixões. A maior delas, depois de cinco casamentos, é pela Marquesa de Santos, cujo túmulo, no Cemitério da Consolação, visita regularmente para depositar flores. Gosta tanto da história da marquesa que até comprou um túmulo em frente ao dela para o caso de algum dia vir a morrer.
No final do dia, ao pegar a estrada para Itapetininga, depois para Guareí, a caminho da minha pequena e querida Porangaba, vendo aquele sol de inverno, vermelhão, enorme, caindo para os lados da serra de Botucatu, dá até a impressão de que passei algumas horas fora do Brasil - embora não haja nada mais brasileiro do que esta gente e estas terras, onde a vida não corre assustada e triste na onda das notícias despejadas pela crise na Internet. A vida, afinal, também é feita destes dias e de personagens como José Hamilton Ribeiro e Mário Zan.
Se nascesse de novo, gostaria de ser qualquer um deles.

Ricardo Kotscho escreve no site No Mínimo, vale a pena conferir.

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