25 de janeiro de 2006

Brasileiro até na mesa

Tom Jobim. O genial compositor, pianista e intérprete carioca, nascido em 25 de janeiro, amava a cozinha nacional. Gostava de canja de galinha e bife com ovo mexido. Mas tinha especial afeição por tudo o que fosse assado na brasa - aves, peixes e crustáceos.

Para o ilustre compositor, pianista e intérprete carioca Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927-1994), ou simplesmente Tom Jobim, falecido na cidade de Nova York, Estados Unidos, gastronomia rimava com boemia. Assinale-se também que ele foi artífice de uma das iguarias musicais mais inspiradas do século XX, a bossa nova - o movimento que procurou dar um caráter universal à música popular brasileira, surgido no fim da década de 50, no Rio de Janeiro. O apreço de Tom Jobim pela madrugada virou hábito logo no início de carreira. Ele iniciava a vida artística como pianista, no Beco das Garrafas, em Copacabana. Na época, era adepto da velha e boa canja de galinha caipira, receita com a qual combatia a má digestão de fundo emocional, que apelidara de "barrigose". O cuidado com o estômago frágil - e mais tarde com o colesterol - acompanhou-o por toda a vida. Por conta disso, cultivou o gosto pelos peixes assados na brasa e praticamente erradicou os molhos pesados de sua mesa.

Em contraste com a sofisticação harmônica e melódica que deleita os ouvidos dos fãs em composições conhecidas no mundo todo, criadas com diferentes parceiros, entre as quais vale destacar "Wave", "Insensatez", "Garota de Ipanema", "A Felicidade", "Chega de Saudade", "Samba de uma Nota Só", "Retrato em Branco e Preto", "Águas de Março" e "Luísa", Tom Jobim demonstrava à mesa hábitos gastronômicos simples, mas profundamente brasileiros. "Ele gostava dos pratos corriqueiros e dos bem nacionais", lembra o filho Paulo, violonista e presidente da Fundação Tom Jobim. Quando batia a saudade, durante o longo período em que viveu em Nova York, consolava-se com um belo bife com ovo mexido e arroz branco. Não era e nunca quis ser um gourmet.

Fazia questão de regar a comida com muita conversa. Além disso, cultivava algumas manias, como lembra Alberico Campana, o amigo de longa data, dono do restaurante Plataforma, carinhosamente apelidado de "Plata", no Leblon, onde o compositor bateu ponto nos últimos cinco anos de vida. "Não podia faltar à mesa dele uma xícara com cinco ou seis dentes de alho semicozido - que Tom Jobim adicionava à carne ou ao peixe, com as mãos", conta Campana. Ambos se conheceram nos anos 1950, no Beco das Garrafas. Ali, o genial compositor e pianista se apresentava. Campana comandava casas noturnas. No início dos anos 1980, de volta ao Brasil, Tom Jobim tornou-se adepto de um tipo particular de boemia: a do almoço. Chegava ao Plata em torno de 1 da tarde e ficava ali até as 5 ou 6, invariavelmente cercado de amigos de diferentes épocas da vida e da carreira, que passavam por sua mesa, a de número 1 do salão, bem perto da porta. Todo mundo que entrava ou saía dava ao menos uma paradinha ali. Entre os freqüentadores assíduos, estavam Chico Buarque de Holanda, João Ubaldo Ribeiro, o ator Antônio Pedro, o cineasta Miguel Farias, cartunistas e desenhistas como Jaguar e Ziraldo, e o poeta Paulo Mendes Campos.

O chopinho não podia faltar. Nos últimos tempos, também se interessava pelo vinho, escolhido com a ajuda de amigos escolados no assunto, como Chico Buarque ou o pintor Antônio Veronese. No prato, reinavam as carnes brancas e peixes como o badejo com alcaparras, servido com legumes e arroz. "Preferia a parte mais alta do peixe, o lombo, preparado na brasa", conta Alberico. Ou o salmão grelhado com panaché de légumes. A sexta-feira era o dia de sardinha fresca. "Ele ainda adorava o camarão grelhado do Plata, servido com salada de batata e maionese", lembra o filho.
Tom Jobim gostava de peixes tanto quanto das infindáveis pescarias que fazia com os filhos e alguns amigos, entre eles outro bossa-novista, Luís Bonfá, autor de "Manhã de Carnaval". "Íamos para a Barra da Tijuca à tarde e seguíamos noite adentro, com vara, anzol, cerveja e muito papo com o Bonfá, o médico Carlos Madeira, o arquiteto Fred Cordeiro", recorda Paulo. O filho se diverte lembrando que o pai costumava igualmente comprar pescados na Cobal do Leblon e levá-los aos restaurantes que freqüentava, pedindo que os preparassem, sem a menor cerimônia.
"Ele chegava com uma bolsa de couro muito surrada a tiracolo e tirava de dentro uns camarõezinhos, ou umas lulas, ou um presunto de Parma, e pedia para prepararmos na cozinha", diz Alberico. Quando estava no Plata e queria comer alguma especialidade do célebre bar Bracarense, outro endereço favorito, Tom não se apertava: no mais autêntico estilo carioca, convocava um funcionário do restaurante para correr até o bar e trazer o que queria - geralmente mocotó ou dobradinha. Chamava o espaço entre o Bracarense, o Plata e a Cobal de "Triângulo das Bermudas do Leblon". Entre os três endereços passava suas tardes e noites, às voltas com amigos, chope, vinho e petiscos.

Tom Jobim também apreciava o contato com a natureza, observando pássaros brasileiros ou mesmo caçando, em companhia de amigos. Houve época em que deixava uma arma enterrada em ponto marcado da mata entre o Leblon e o Vidigal, para facilitar a caçada. Citava com orgulho dois de seus ídolos, também caçadores: o escritor João Guimarães Rosa e o compositor Heitor Villa-Lobos. Tom Jobim era capaz de reconhecer os passarinhos, na floresta, apenas pelo pio, mas em seu prato a ave mais comum era o frango, assado na brasa.

Batizou e tornou famosa uma receita, o "frango atropelado", hoje conhecida nacionalmente: metade da ave, desossada, levada à brasa e achatada com a espátula. O prato bem que poderia ser chamado de frango à Tom Jobim. Junto com a canja de galinha, cuja receita incluía um pouco do sangue do animal, era um dos pratos permitidos em sua luta para controlar o colesterol. Mas os cuidados com a saúde jamais o impediram de provar lascas de costela de boi, bem gorda, ou de picanha argentina, antes de sentar-se à mesa para saborear seu franguinho. Tom chegou a comer muito escargot e steak au poivre no L'Aussace, em Paris, quando foi encontrar-se com Chico Buarque, que estava exilado na Europa durante a ditadura e viria de Roma. No fundo, porém, jamais deixou de continuar brasileiro tanto no hábito de comer quanto no nome, caráter e inspiração artística.

Por André Luiz Barros

Um comentário:

Saramar disse...

Luiz, acho que você tem algum espião aqui em casa.
Hoje, vi tanto o Tom naqueles DVD's do Chico. Fiquei com uma saudade dele, imensa!
E, agora, você vem contar essas coisas deliciosas!
Você é o máximo.

Beijos