Para minha própria surpresa, consegui cumprir a resolução para 2005: tirar folga do Botafogo. Esta palavra não apareceu sequer como sinônimo para “bairro da Zona Sul cortado pelas ruas Voluntários da Pátria e São Clemente, oito letras” nas 50 colunas do ano passado. Não escrevi sobre o time, não assinei o pay-per-view da NET, não fui à Arena da Ilha, não me manifestei em público sobre vitórias ou derrotas. Trapaceei um pouco só à mesa do café: algumas poucas vezes comecei a leitura do jornal pelo Esporte.
Anunciei o voto de silêncio no penúltimo texto de 2004. Estava exaurido após um Brasileirão de lascar. Durante o derradeiro jogo, contra o Atlético-PR, em Curitiba, a cada bolinha na tela da Globo, eu despetalava a margarida: bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer... A nossa permanência na Série A foi sacramentada apenas ao apito final da última rodada. Putz. Precisava entender qual o papel do Botafogo na minha vida, além de pô-la em risco: sou hipertenso. Também necessitava de mais tempo para tocar um trabalho.
Na viagem de autoconhecimento pelo Caminho de General Severiano, descobri o óbvio: não há razão alguma para torcer pelo Botafogo. Por mais que o cérebro apele para a história gloriosa ou os sentidos, para o uniforme guapo, o que há é paixão, inexplicável, irredutível a qualquer explicação. Ao dar um tempo na relação, olhei em volta, vi outras possibilidades e compreendi que ela se insere no quadro maior de amor pelo futebol.
Porque distanciar-me do Botafogo — não o clube do qual não sou sócio, mas o time objeto da minha paixão — não significou sufocar as boas e más emoções do esporte. As conquistas e as exibições da seleção brasileira, bem como o escândalo da arbitragem, não permitiram. Dei o braço a torcer ao mudado Parreira. Vibrei muito com o chocolate do Barcelona sobre o franquista Real Madrid, com a vitória dramática do Internazionale sobre o berlusconista Milan e até com o magro triunfo do São Paulo sobre o Liverpool.
Nada contra os Beatles e o Echo & The Bunnymen. Tenho, isso sim, algo a favor do técnico Paulo Autuori, campeão brasileiro de 1995 com o Botafogo. A gratidão foi capaz de suspender por 90 minutos a velha ojeriza pelo tricolor paulista. Quando Autuori chegou ao Botafogo, 11 anos atrás, escrevi uma notinha considerando a contratação de um técnico desconhecido uma brincadeira de mau gosto do nosso então presidente, Carlos Augusto Montenegro. Queimei a língua. Adoro queimar a língua assim.
Agora, investido no cargo de vice de futebol pelo presidente Bebeto de Freitas, Montenegro parece querer repetir a mandinga de 1995 com Carlos Roberto. Como técnico, ele escapa de ser outra piada de mau gosto porque bateu um bolão no meio-campo do Botafogo de Gérson, Jairzinho e Paulo César, no fim dos anos 60. O problema é que o time precisa de craques no gramado. O nono lugar no Brasileirão passado veio de forma medíocre: entrávamos em campo sedados, sei lá, e ficávamos torcendo para o ataque do adversário perder mais gols do que o nosso. Fizemos 57 e tomamos 56.
Para o início da temporada 2006, acertadamente foi mantida a defesa que encerrou o Campeonato Brasileiro como a quarta menos vazada: o goleiro Lopes, o lateral-direito Ruy, os zagueiros Scheidt e Rafael Marques... Segundo li, continua no elenco até o lateral-esquerdo Bill, que, dizia-se, era passageiro certo na barca do Botafogo. Quem partiu foi o povo do meio-campo para a frente: os veteranos Caio, Ramon, Alex Alves e Guilherme. Justo. Formaram o sexto pior ataque da competição nacional. Para o seu lugar...
Bem, aí é que o bicho pega. Fora o mediano meia Lúcio Flávio, o Botafogo fechou apenas com um bando de defensores desconhecidos-que-ninguém-conhece. Tipo um volante uruguaio nascido na Argentina e que jogava na segunda divisão do México. Ou um zagueiro reserva do Paysandu, que foi rebaixado à Série B com a defesa mais vazada do último Nacional: o seu goleiro teve de ir buscar a bola no fundo do filó 92 vezes.
Lá para a frente, ainda se fala no manjado Dodô e em Salgueiro, uruguaio de 22 anos que o Danúbio não quer liberar. Felizmente, ao menos, não veio Renaldo, de quase 36 anos, meros cinco gols no Brasileirão, para formar o ataque e uma dupla sertaneja com o Reinaldo, que fez sete. Assim, capaz de sobrar uma camisa de titular para o Almir, profissional que detesta jogar futebol, mas é arrimo de família numerosa. Pelo andar da carruagem, o Botafogo vai continuar sendo o grande clube que não ganha clássicos.
Este, na verdade, é o pior tormento nos últimos anos. Não dá para gozar ninguém na mesa do botequim. Em 2005, por exemplo, entre os campeonatos Estadual e Brasileiro, o nosso retrospecto contra o Fluminense foi de três derrotas (0 a 4, 2 a 3 e 1 a 2); contra o Flamengo, de um empate (2 a 2) e duas derrotas (0 a 2 e 1 a 3); e, contra o Vasco, de dois empates (1 a 1 e 2 a 2) e uma derrota (0 a 1). Placar geral: 20 a 9 eles. Vexame completo.
A nossa única vitória nos dérbis foi anulada com outros dez jogos apitados por Edílson Pereira de Carvalho. Com justiça, sejamos francos: não existiu aquele pênalti contra o Vasco. Chora-se que a arbitragem favoreceu o Fluminense nos encontros da Série A, esperneia-se que o time entregou as duas partidas para o Flamengo ameaçado de rebaixamento. Não me interessa. O que eu quero é voltar a ganhar clássicos em 2006.
Arthur Dapieve escreve no Segundo Caderno de O Globo
Um comentário:
Where did you find it? Interesting read Treatment+for+acne+scar Pam anderson big boobs pic sedalia dental insurance http://www.clomid-cyst.info/kansasstateactivitiesassociationsubstatebasketball.html Black and white basketballs roswell dental insurance Health ochsner plan paxil Walden & kirkland realty c faulk
Postar um comentário