1 de dezembro de 2005

Amanhecer em Copacabana

Amanhecer em Copacabana
Por Antônio Maria

Amanhece, em Copacabana, e estamos todos cansados. Todos, no mesmo banco de praia. Todos , que somos eu, meus olhos, meus braços e minhas pernas, meu pensamento e minha vontade. O coração, se não está vazio, sobra lugar que não acaba mais. Ah, que coisa insuportável, a lucidez das pessoas fatigadas! Mil vezes a obscuridade dos que amam, dos que cegam de ciúmes, dos que sentem falta e saudade. Nós somos um imenso vácuo, que o pensamento ocupa friamente. E, isso, no amanhecer de Copacabana.
As pessoas e as coisas começaram a movimentar-se. A moça feia, com o seu caniche de olhos ternos. O homem de roupão, que desce à praia e faz ginástica sueca. O bêbado, que vem caminhando com um esparadrapo na boca e a lapela suja de sangue. Automóveis, com oficiais do Exército Nacional, a caminho da batalha. Ônibus colegiais e, lá dentro, os nossos filhos, com cara de sono. O banhista gordo, de pernas brancas, vai ao mar cedinho, porque as pessoas da manhã são poucas e enfrentam, sem receios, o seu aspecto. Um automóvel deixou uma mulher à porta do prédio de apartamentos — pelo estado em que se encontra a maquillage, andou fazendo o que não devia. Os ruídos crescem e se misturam. Bondes, lotações, lambretas e, do mar, que se vinha escutando algum rumor, não se tem o que ouvir.Enerva-me o tom de ironia que não consigo evitar nestas anotações. Em vezes outras, quando aqui estive, no lugar destas censuras, achei sempre que tudo estava lindo e não descobri os receios do homem gordo, que vem à praia de manhã cedinho. E Copacabana é a mesma. Nós é que estamos burríssimos aqui, neste banco de praia. Nós é que estamos velhíssimos, à beira-mar. Nós é que estamos sem ressonância para a beleza e perdemos o poder de descobrir o lado interessante de cada banalidade. Um homem assim não tem direito ao amanhecer de sua cidade. Deve levantar-se do banco de praia e ir-se embora, para não entediar os outros, com a descabida má-vontade dos seus ares.
Rio, 12/09/59




Ilustração: Orlandeli
Walmir Americo Orlandeli é cartunista e publicitário, formado no curso de Publicidade e Propaganda da faculdade Unilago de São José do Rio Preto.Atua na área de cartum e ilustração desde 94. É autor da revista Grump, pela Editora Escala; colabora com o livro Front da Via Lettera e com o jornal O Pasquim 21; publicou na revista Bundas; revista Look, distribuída no Japão; e teve charges veiculadas nos jornais Diário da Região e Folha da Região. É co-autor do livro Humor pela Paz e a falta que ela faz, da Editora Virgo e participou como organizador e co-autor do livro Central de Tiras da Via Lettera. Sua tira, Grump, é distribuída para vários jornais do país por intermédio da Agência Estado. Mantém um site na internet desde 99.
SITE:
http://www.orlandeli.com.br

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