1 de dezembro de 2005

Releitura...

O Anônimo
Ignácio de Loyola Brandão

Presença da tragédia
Se alguém me matasse. Se eu fosse abatido a tiros por uma amante, pelo marido de uma de minhas amantes, por um neurótico pela fama, por um serial killer americano que tivesse vindo ao Brasil, pelo engano de um traficante, por um assaltante num cruzamento, por uma das milhares de balas perdidas que cruzam a cidade, por uma dessas motos enraivecidas que alucinam o transito, por um colega de profissão inconformado com a minha fama. Se morresse em uma inundação, atingido por um raio ou por um arvore derrubada por um vendaval. Por um remédio com data vencida, por uma comida estragada. Uma tragédia noticiada por toda a mídia, alimentada e realimentada, provocando manchetes vorazes, devoradas com prazer pelo publico e construindo a minha legenda. Melhor que fosse algo misterioso. O noticiário duraria mais tempo, o caso seria revisto por curiosos dispostos a desvendar enigmas. Provocar a necessidade de uma autopsia, de exumação. Ser o enigma do século seria a minha gloria. Se eu tivesse essa certeza, não me incomodaria de estar morto.

(9.10.2000)
O Anônimo, Cadernos de Literatura Brasileira - Instituto Moreira Salles - São Paulo, nº. 11, Junho de 2001, pág. 98.
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Ilustração: Artur de Carvalho
Artur de Carvalho, escritor, publicitário e cartunista, escreve para o "Diário de Votuporanga", interior de São Paulo, desde 1997. Lançou recentemente o livro "O Incrível Homem de Quatro Olhos", edição do autor - Votuporanga, 2000.
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