7 de dezembro de 2005

ARDENTE TRADIÇÃO

Engarrafado pela primeira vez em 1868, o Tabasco se tornou o mais famoso molho de pimenta do mundo graças a seu exclusivo aroma pungente e inimitável sabor picante

A receita parece bem simples. Primeiro, amassa-se um punhado de pimenta-vermelha, acrescenta-se uma pitada de sal e, então, deixa-se a mistura descansar por algum tempo. Depois é só adicionar vinagre e... voilà! Eis a fórmula do americano Tabasco, o mais festejado molho de pimenta do mundo, consumido em 162 países - cada um o usa à sua moda. No Japão, por exemplo, o maior mercado fora dos Estados Unidos, o popular frasco de 60 mililitros aparece ao lado do spaghetti e da pizza. É que os japoneses associam o Tabasco à culinária italiana. Aqui no Brasil, forma parceria imbatível com o pastel, a coxinha de galinha, o croquete e muitos outros salgadinhos.
Talvez pela aparente simplicidade de preparo, o Tabasco tenha inspirado ao longo de seus 136 anos de existência milhares de imitações. Nenhuma, porém, conseguiu igualar as gotinhas poderosamente picantes, que seduziram uma legião de adeptos, incluindo os soldados americanos durante a Guerra do Vietnã, para onde foram despachadas centenas de frascos do molho, os astronautas do Skylab e a realeza do Palácio de Buckingham, em Londres. Curiosamente, as razões para a singularidade do ardente aroma e sabor característicos do Tabasco estão nos próprios ingredientes, e o mais importante deles é a pimenta, a Capsicum frutescens - uma variedade conhecida entre os nativos da América Central desde os tempos pré-colombianos.
A saga do Tabasco começa em 1868, quando, depois de ver seus negócios arruinados pela Guerra Civil americana, o banqueiro de New Orleans Edmund McIlhenny engarrafou as primeiras 350 garrafas do molho fabricado nos fundos de sua casa, em Avery Island, no sul do Estado da Louisiana. Usou pimentas que ele mesmo havia plantado com as sementes de Capsicum frutenscens secas, presenteadas por um amigo viajante. Apesar da falta de provas históricas, é bastante provável que elas tenham vindo do México. Edmund havia descoberto uma mina de ouro.
Inicialmente utilizou vidros de colônia e vendeu o produto a parentes e amigos. Em pouco tempo, os pedidos se multiplicaram e, no fim da década de 1870, o Tabasco já circulava pelas mesas de Nova York e na Inglaterra. Até 1960, todo o cultivo da pimenta se limitava aos domínios de Avery Island. Hoje, 90% da plantação concentra-se em terras tropicais de países como Honduras, Colômbia, Venezuela, República Dominicana e, mais recentemente, no nordeste brasileiro, nos arredores da capital cearense, estratégia adotada pela empresa para evitar grandes perdas, em caso de desastres naturais.
O sal usado é outro grande diferencial. Em tempos remotos, o mar que hoje banha o Golfo do México ocupou parte do interior dos Estados do Texas, da Louisiana e do Mississippi e, depois de retroceder, deixou para trás cinco montes de sal, ou "ilhas". Uma delas é Avery Island, região de clima quente e úmido, paisagem verdejante, entrecortada por braços de rio (os bayous) e pântanos, habitada por garças brancas e infestada de crocodilos. O sal extraído do subsolo é adicionado em uma quantidade mínima às pimentas esmagadas. Depois, coloca-se o conjunto em barris de carvalho branco. Em cima de cada tampa vai uma grossa camada de sal para impedir que o ar penetre no interior do tonel e prejudique a fermentação. O processo leva cerca de três anos - na receita caseira do inventor, durava três meses. Naquela época, o vinagre vinha da França, provavelmente feito de vinho branco. Depois da fermentação, separam-se as sementes e a pele. O sumo é diluído em uma solução de vinagre de cereais 100% natural.
Cerca de 100 milhões de garrafas de Tabasco são processadas anualmente na fábrica, que funciona até hoje no mesmo local onde Edmund começou a pequena produção. Apesar dos números, a empresa mantém a estrutura familiar e a administração está a cargo da quarta geração dos McIlhenny. Outros molhos de pimenta, à base de diferentes chiles, como o habanero e o chipotle, e condimentos compõem a lista de produtos da marca. Mas o pioneiro Tabasco continua líder absoluto do clã.
Se estivesse vivo, Edmund teria uma grata surpresa ao saber que seu ingrediente comparece em uma infinidade de receitas típicas da culinária local, batizada de cajun - nome cujas origens remontam à época em que os descendentes dos colonizadores franceses se estabeleceram na Acadia, no leste do Canadá, até ser expulsos dali por causa da dominação inglesa, e emigrar para o sul da Louisiana em meados do século XVIII. Ao lado, apresentamos a receita do gumbo, um ensopado notável da cozinha cajun, de raízes africanas e servido sobre arroz cozido. Pode ser preparado de muitas maneiras, desde que contenha quiabo e, é claro, algumas gotas do polivalente Tabasco.
Por Cristiana Menichelli
Foto Mônica Varella

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