Era um homem que despertava fascínio entre os amigos e ódio mortal entre os inimigos. Com tiradas irônicas, fulminava os adversários com os artigos que escrevia à noite, em casa, depois de circular pela boemia carioca. Os textos de Carlos Lacerda eram incendiários a ponto de, no dia seguinte, chegarem à Tribuna da Imprensa acompanhados de um bilhete: "Ao DBS, para pentear." DBS era o secretário de redação e amigo Aluísio Alves - Departamento de Bom Senso. Quando Alves não tinha tempo para arrumar o estrago, a alternativa consistia em encomendar outro artigo para um jovem deputado udenista da época, José Sarney. "Eu escrevia defendendo os mesmos pontos de vista do Lacerda. Vez ou outra saía assinado com o nome dele, mas nem de longe era tão contundente. Ele foi o último dos grandes jornalistas panfletários, dono de um poder verbal extraordinário", disse o ex-presidente Sarney a ISTOÉ.
O histórico familiar já denunciava o destino de Lacerda. O avô foi juiz da Suprema Corte e ministro de Prudente de Moraes. O pai, parlamentar esquerdista, batizou a criança (nascida a 30 de abril de 1914, no Rio de Janeiro) de Carlos Frederico, em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels. Aos nove anos, prometeu à mãe: "Jamais me envolverei em política, vou ser agrônomo." Como o talento não se manifestava, dividia o tempo entre o futebol e a folha humorística que organizara com os colegas de escola. Dos gramados ele se aposentou quando o escalaram no gol. Míope, tomou sete tentos numa só partida. Nas letras, porém, revelou-se um fenômeno. Em 1931, entrou no Diário de Notícias, encarregado de coletar material para a coluna de educação assinada por Cecília Meireles.
Pêndulo ideológico
A afinidade com os comunistas o colocou na mira da polícia. Deprimido com a vida de fugitivo, tentou suicidar-se, aos 20 anos, cortando o pulso. Encontraram-no desmaiado, no quarto, a tempo de receber socorro. Só rompeu com os ideais revolucionários em 1939. Publicou uma matéria sobre a história do comunismo no Brasil, mas a reportagem, provavelmente maquiada pelo editor, não poupava críticas. Os camaradas não desculparam Lacerda. Traumatizado, ele mudou radicalmente. Tornou-se católico praticante e aproximou-se dos liberais de direita. Depois de passar por várias publicações cariocas e desafiar a censura do Estado Novo, fundou seu próprio jornal, em 1949. "Nos dias em que ele não escrevia na Tribuna da Imprensa, as vendas caíam 50%", lembra o sobrinho e colega de redação Cláudio Lacerda Paiva.
Agosto de 1954
A retórica vibrante e a atuação conspiratória eram seu forte. A primeira vítima foi Getúlio Vargas. Em 1953, a Tribuna denunciou o empréstimo do Banco do Brasil para a Última Hora, de Samuel Wainer, que comprou a briga e apelidou o adversário de "Corvo" - ia a funerais para tirar uma lasca política. Em compensação, Lacerda mobilizou mentes e corações contra Vargas. O bate-boca terminou no atentado da rua Toneleros (Lacerda levou apenas um tiro no pé, mas o major que o acompanhava morreu) e no trágico 24 de agosto de 1954, quando Getúlio meteu uma bala no peito.
A metralhadora giratória de Lacerda também se voltou contra Jânio Quadros e João Goulart. Participou da tentativa frustrada de golpe contra Juscelino Kubitschek em 1955, depois mudou-se para os Estados Unidos, onde fazia as legendas em português para filmes de caubói. De volta ao Brasil, elegeu-se deputado federal em 1956, pela UDN. E, em 1960, venceu as eleições para o Palácio da Guanabara. Ao tomar posse como governador, surpreendeu-se com sua guarda pessoal: "Você por aqui? O mundo mudou, hein?" Era Cecil Borer, o antigo chefe da polícia que o havia prendido na época de marxista. A resposta do velho policial primou pela astúcia: "Foi o senhor quem mudou, governador. Eu continuo na polícia."
Argumentando que o País mergulhara na corrupção, apoiou o golpe militar de 1964. Achava que a Redentora duraria só alguns meses e sonhava com a candidatura ao Planalto em 1965. Quando viu que não tinha chances, uniu-se a antigos desafetos, como Jango e JK, na Frente Ampla.
Telefonemas misteriosos
Com os direitos políticos cassados pelo AI-5 e sem a Tribuna da Imprensa (vendida em 1960), pensava em escrever um dicionário de botânica. Volta e meia, recebia ameaças. "Cansei de atender telefonemas misteriosos e abrir cartas dizendo que iam me esquartejar", contou a ISTOÉ a filha Cristina. Na tarde do dia 20 de maio de 1977, Lacerda foi internado com uma forte gripe. De madrugada teve um infarto fulminante. Entrava para a história como uma figura que, até hoje, desperta emoções sem meio-termo - é amado ou é odiado.
Você sabia?
Péssimo motorista, nunca sofreu acidentes graves, mas perdeu a conta de quantas vezes deu pequenas amassadas no automóvel. Dirigia tão mal que usou o pretexto de uma úlcera para aposentar a carteira de habilitação e contratar um motorista. "Ele ligava o rádio e começava a cantarolar. O carro morria a cada semáforo vermelho. Era um perigo", conta o sobrinho Cláudio.
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