Solange Bagdadi
É um caso típico de segredo de Tostines: será que as cadeias de botequins estilizados tomam conta da cidade porque os cariocas estão cada vez mais sedentos por chope, ou as pessoas estão bebendo mais - já que estes novos bares vivem lotados - porque aumentou a oferta de casas simpáticas para beber? A resposta é difícil, mas inquestionável é o sucesso de redes como Devassa, Manoel & Juaquim, Informal, Belmonte e Conversa Fiada - ainda que muito boêmio da gema implique com a cara paulista de algumas delas.
Alguns números dão pistas sobre o fenômeno da multiplicação de botequins limpinhos por aqui. O estado do Rio de Janeiro é o maior consumidor de cerveja do Brasil. Enquanto São Paulo ingeriu 60,1 litros por pessoa, o Rio bebeu 90,4 litros, segundo dados de 2003 do Sindicato da Indústria Nacional da Cerveja (Sindicerv). De acordo com especialistas, as mulheres estão bebendo cada vez mais, ajudando a engrossar as estatísticas.
Dados do IBGE revelam que o brasileiro bebe mais também dentro de casa: em quase três décadas (de 1987 a 2003) o consumo médio de bebida alcoólica, por pessoa e por ano, duplicou.
Para abocanhar esse mercado crescente, vale apostar não só em decoração diferenciada e afastar os petiscos gordurosos, mas também criar cervejas diferenciadas. A próxima a lançar sua própria marca é a rede Manoel & Juaquim. ''Nem devassa, nem sacana, simplesmente leviana''. Com essa chamada, promete acirrar o competitivo mercado, em dezembro, quando lança Leviana, versão long neck e chope.
Meio sem querer, os empresários portugueses foram os precursores da febre de botequins arrumadinhos, que começou há cerca de 10 anos. Vá lá que no Rio o calor peça sempre uma gelada, mas hoje se bebe a qualquer hora do dia, da tarde e da noite também, é claro. E não é só cerveja. Dados do Sindiserv demonstram que a cachaça é a segunda bebida mais consumida no país. Só para ter uma idéia, os donos da Academia da Cachaça, principal ponto de venda da cidade, revelam que atualmente são servidas cerca de 2,4 mil doses de cachaça por mês. E no verão há um aumento de 15% nas vendas.
Para atender a esses consumidores, as cervejarias e donos de bares estão cheios de disposição. A marca Devassa, criada há dois anos e que tem hoje quatro tipos de cerveja (loura, ruiva, negra e, recentemente, sarará), vai lançar mais duas ano que vem e já conta com 170 pontos de venda no estado do Rio, além de bares no Leblon, na Barra, no Flamengo, em Niterói e outro recém inaugurado no Centro. Eles já comercializam para São Paulo e em bares de Londres, com direito a uma citação no Sunday Times, que a descreveu como a bebida mais badalada do Rio.
Os sócios da Devassa, Cello Macedo, Marcelo do Rio, Joca Muller e Tito Livio Macedo contam com o auxílio luminoso da mestre cervejeira Kátia Jorge, que trabalhou na Brahma e é testemunha ocular da revolução por que o mercado vem passando nos últimos tempos.
- Os números dos institutos de pesquisas estão certos, mas é preciso observar que o mercado cresceu, mas o consumidor amadureceu também. Hoje, ele é extremamente exigente e cobra do setor novidades com qualidade - ressalta Kátia.
A mestre cervejeira dá destaque para o segmento de cervejas especiais. Em 1998, havia 15 micro-cervejarias no país, hoje são 70, criando e produzindo novos sabores a cada temporada.
Inaugurado em 2001 e hoje contando com quatro casas, o Botequim Informal chega em novembro a Niterói e até o fim do ano inaugura mais dois pontos, um no Botafogo Praia Shopping e outro no Jardim Botânico. O Belmonte foi mais rápido. Em quatro anos, o cearense Antonio Rodrigues, abriu seis bares na cidade. Ele explica os excelentes resultados.
- O carioca bebe todos os dias, não tem hora e nem clima para ir ao bar. Em cinco anos, as coisas se transformaram completamente. Muitas casas noturnas fecharam e o público que freqüentava esses locais hoje está nos bares - argumenta o empresário, que recebe em torno de mil pessoas por dia nas seis casas.
Outro indício das altas temperaturas do mercado é o quiosque de chope da Brahma. Desde março de 2003, inúmeras unidades foram abertas, sobretudo em shoppings. O Rio lidera o ranking das cidades brasileiras que possuem esse modelo de franquia.
Os amigos e engenheiros Pedro Hermeto, 29 anos, Arthur Pimentel, 36, e Marcelo Prestes, 24, já aprovaram o quiosque perto do trabalho, assim como a assistente executiva Cristiane Carvalho, 31, e a advogada Luciara Ribeiro, 30.
- Toda sexta, tomamos um chopinho para desestressar. Aqui, é mais seguro e muito prático - diz Cristiane.
Ok, a festa é boa, mas é preciso pensar na questão sob todos os aspectos. Todo mundo sabe que o consumo de álcool é proibido a menores de 18 anos. Mas se sabe também que essa lei não é respeitada. De acordo com dados de 2001, do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, 5,2% da população brasileira menor de 18 anos já são dependentes de álcool (e 11% da população maior de 18), sendo 7% dos homens entre 12 e 17 anos e 3,5% das mulheres com a mesma idade. A chefe do Serviço de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia Analice Gigliotti faz uma análise do problema.
- O marketing da cerveja é claramente dirigido à população adolescente: meninas bonitas, caras sarados, todo mundo feliz. Afinal, refresca até pensamento, não é? As pessoas estão estressadas e o ser humano não tem síntese de neurotransmissores suficiente para tanto estresse. Além de vivermos uma cultura altamente permissiva, elas também estão deprimidas, portanto o apelo ao prazer imediato é muito forte. O problema é sério - adverte.
De acordo com a médica, não faltam medidas para reduzir o consumo, mas a cultura da cervejinha, do chopinho, da caipirinha - com exaustivo abuso do diminutivo - dá um caráter de quase ingenuidade à situação.
- O jovem não enxerga a cerveja como bebida alcoólica. Temos casos de pacientes que chegam ao consultório e dizem: ''Doutora, parei de beber, agora só tomo umas cervejinhas'' - conta Analice.
Ela afirma que a quantidade de jovens que ingressam em clínicas de dependentes químicos aumentou muito. A psiquiatra chama a atenção também para o fato de que as mulheres estão bebendo mais. A mulher começa a beber mais tarde que o homem, demora mais a abusar da quantidade, mas fica dependente mais rápido que eles.
Em média, o homem começa a beber aos 13 anos e fica dependente aos 40. Já a mulher inicia aos 25 anos e aos 35 já está dependente. Na mulher, a tolerância ao álcool é menor que no homem, porque ela tem menos água no organismo e, portanto, retém mais álcool.
O grupo de amigos freqüentador do Belmonte, do Jardim Botânico, formado por Guilherme Cola, 30 anos, Maíra Dias Moreto, 24, e Leonardo Cola, 25, não vê o abuso do inocente chopinho como regra.
- Conheço pessoas que bebem quatro vezes por semana, mas vejo muita gente cuidando da saúde - diz Guilherme, que acredita na filosofia de que beber sem excessos é um dos segredos do prazer.
Rio, campeão do chopinho
Pesquisas do IBGE apontam que as pessoas estão bebendo mais também dentro de casa. De 1987 a 2003, o consumo médio, por pessoa e por ano, duplicou.
A cachaça é a segunda bebida mais consumida no país. É no verão que se bebe mais a ''branquinha''. A Academia da Cachaça, principal ponto de venda da cidade, serve cerca de 2,4 mil doses da aguardente por mês.
5,2% da população brasileira menor de 18 anos já são dependentes de álcool (e 11% da população maior de 18 anos), sendo 7% dos homens entre 12 e 17 anos e 3,5% das mulheres, com a mesma idade.
As mulheres estão bebendo cada vez mais. Elas começam a beber mais tarde que o homens, abusam da quantidade mais tarde, mas ficam dependentes mais rapidamente do que eles.
Fontes: Sindicato da Indústria Nacional da Cerveja (Sindicerv) e Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas.
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