28 de novembro de 2005

"O problema social e o anzol"

Artigo escrito pelo Xico Vargas, no mínimo, oportuno para lembrar que os messias estão se preparando...

28.11.2005 Tão ao gosto dos políticos, que costumam servi-la a granel, a expressão problema social alcançou na semana passada o lugar de bordão pátrio do serviço público. Ganhou a vala comum pelo discurso de Carlos Antunes, valoroso comandante da Guarda Municipal. Nela viu Antunes adequada justificativa para a perda de controle da prefeitura sobre as ruas de quatro bairros do Rio hoje tomadas por camelôs. Não tem solução, ele disse.
Poderia ter depositado o distintivo sobre a mesa e deixado a sala, como faziam muito antigamente os xerifes fracassados. Preferiu conservar o contracheque e tomar a trilha de seu patrão, o prefeito, que botou na conta do problema social a favelização que engole a cidade. Deve-se à mesma causa, certamente, o hábito de subordinados de Antunes montarem guarda nas esquinas do Centro da cidade, justamente ao lado de tabuleiros onde se vendem DVDs, CDs e brinquedos de variada origem. Tudo pirata.
Talvez tenha tentado ser original em seu escalão o comandante da Guarda. Tivesse mirado no exemplo dos secretários municipais, poderia ter dito que lhe faltam recursos, tropas, viaturas, fiscais, enfim, o que costumam alegar os auxiliares do prefeito pilhados em delito. Quando escolheu a ficha do problema social Antunes virou só um arremedo do velho malandro da política. Aquele que diz aos jornais qualquer coisa que lhe tire a responsabilidade das costas.
Problema social era um dos carimbos preferidos de Leonel Brizola, quando Saturnino Braga era prefeito do Rio e preparava-se para anunciar que havia quebrado a cidade. Brizola embaralhava as velhas frases de sempre, salpicava um problema social aqui, uma perca internacional ali, um costeando o alambrado mais adiante e dava por explicada uma denúncia de desvio de dinheiro na carteira de Crédito Imobiliário do Banerj, então nas mãos de um administrador conhecido como “Paulinho 10%”.
Apesar do desgaste pelo uso, problema social acabou virando o novo recorta-e-cola da administração pública brasileira. Tudo é problema social, expressão que coalhou os discursos de Olívio Dutra no ministério das Cidades. Dutra é aquele senhor de bastos bigodes, que apresentou a soja transgênica aos brasileiros e introduziu a febre aftosa no governo do PT gaúcho. Quando foi para Brasília ajudar a aparelhar o Estado agarrou-se à tese do título de propriedade como redenção do problema social nas favelas.
No discurso do ministro o problema social começaria a ser debelado com a garantia de que o pobre seria dono do teto que tinha sobre a cabeça. Com a propriedade – ele dizia – poderia “alavancar dinheiro e melhorar de vida”. Evitou, porém, revelar que título de propriedade, com todos os levantamentos e registros necessários, custava 600 reais por unidade ou 10 vezes menos que uma casa popular. Daí por que seu ministério havia feito a escolha pelo embuste.
Como faltou apontar o incauto disposto a emprestar dinheiro tendo por garantia um barraco espetado num morro dominado por traficantes, o título de propriedade caiu do vocabulário político. O problema social se manteve. Foi essa a desculpa usada pela governadora Garotinho para enfiar nos programas Tudo o que você queria a um real recursos desviados da Saúde. Mas como não há mágica fora do palco, faz todo o sentido que três anos depois os hospitais públicos da rede estadual apareçam nos jornais em duas situações: caindo aos pedaços ou novos - por que erguidos por mão federal - e sem equipamentos ou pessoal - tarefa do estado - que os ponham a funcionar.
É também no problema social que mira o presidente da República, quando repete pela sabe-se lá quantas vezes “nunca se fez mais nesse país”. Só que, os favela-bairro, de César Maia, ou os sua vida a um real, dos Garotinho, ou ainda os fome-zero, de Lula, não são feitos para tirar o problema social do dicionário. Como não ensinam nada a ninguém, nem oferecem ferramentas, exercem uma modalidade sórdida de atendimento conhecida como assistencialismo de anzol. No caso do fome-zero já envolve 11 milhões de famílias ou 44 milhões de fisgados. É bom não perder de vista essa conta.

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