9 de fevereiro de 2006

Minha homenagem

:: Quinta-feira, Outubro 02, 2003 ::

Espírito Carioca


Silvio Persivo

* O Rio continua o Rio. Onde o cidadão tem esta lentidão no fazer, esta faina displicente ? Pela manhã, em plena as onze horas, dois braçais de construção lêem o jornal, no quarto andar, sobre a plataforma de cimento. Lembro da Bahia. É. O Rio tem qualquer coisa de baiano. E a Bahia qualquer coisa de carioca. O carioca e o baiano possuem, em doses diferentes, esta preguiça nos atos. Preguiça é um termo pejorativo. Melhor dizendo possuem uma cadência, um ritmo de fazer as coisas. Não é à- toa que o paulista fica maluco com o trânsito e o atendimento carioca.

A hora certa aqui é um eterno equilíbrio entre o que se quer, o que se precisa e o que a Natureza e as pessoas permitem. Há no carioca o instinto inato do lazer, o desejo incoercível de buscar, em todos os momentos, a alegria da vida, o prazer. É ruim, hein! Penso que não. No entanto isto é incompreensível para quem não capta o ritmo essencial desta cidade de São Sebastião. Aqui, ao contrário do que se apregoa, trabalha-se muito. O trabalho, todavia está sempre impregnado da verve, do espírito carioca.
Não se perde nem a ocasião do cafezinho, do chope, da crítica à seleção do Parreira, do comentário sobre a falta de valor do cruzeiro real, de sonhos que envolvem milhões, pois carioca não pensa em vôos baixos.

O autêntico carioca vive o trabalho como o lapso entre os momentos de prazer. Para o trabalhador comum é o espaço entre a praia e o chope. Para o executivo se divide entre o horário da academia, o almoço, a janta, quem sabe o show do Fagner, no Canecão, ou da Ângela Rôrô no JazzMania. Para os mais sofisticados uma ópera no Municipal ou um passeio em Angra dos Reis. Tudo pode ser só uma fantasia deste meu reencontro com o Rio, mas com um fundamento profundo: a vista de dois bons leitores profissionais da construção civil flagrados durante o expediente em repouso. Porém penso que não há engano. Afinal o samba não se popularizou aqui por acaso. Nem por acaso estamos na terra do pagode. O Rio é assim mesmo : uma cidade onde o trabalho alcança seu verdadeiro espaço como um meio de vida. Nunca como um fim em si mesmo.

O Rio continua lindo sim. E quem sabe sabe que seu ritmo provém da alegria de se viver num dos mais belos e melhores lugares do mundo. O resto é propaganda enganosa. E incorporado ao melhor espírito carioca encerro. A praia e um chope me esperam. Vale a pena viver.

Rio 12/08/1993


* Silvio Persivo nasceu em Fortaleza, é professor de economia, escritor e jornalista e mora em Rondônia.

postado por Li Stoducto em 6:12 AM


Para homenagear o meu amigo Silvio Persivo, blog Jornal Diz Persivo que hoje completa um ano e é o culpado do velho Natu estar no ar, garimpei um artigo que enaltece o meu, o nosso Rio.
Vale a pena conhecer os outros blogs do Silvio, ao lado estão os links, o cara é um excelente poeta, tem o prazer de traduzir obras para nós (eu e alguns amigos), monoglotas, e além de tudo um boêmio que todos gostariam de ter como companheiro para um bate-papo ao final da tarde.
Que saudades da sua gargalhada, marca registrada.
Quem sabe ele não nos brinde no domingo com uns escritos sobre a decisão da Taça Guanabara, Botafogo X América? Fica meu pedido qualquer que seja o resultado, desde que o Botafogo Campeão!
Tim, tim...

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